Nem o capitão Trujilo nem o capelão Mathäus vivenciaram o ataque que o grupamento de Miro sofreu... Só depois que os inimigos haviam partido eles apareceram...
(...)
O padre estava devidamente fardado e paramentado com os panos
religiosos... Não perdeu tempo e seguiu ”distribuindo extrema unção”... Um dos
soldados tinha vísceras expostas, mas ainda respirava... O religioso manipulou
o capacete do pobre coitado para ministrar o sacramento e ficou surpreso ao
notar que era o Tonhão da Casa Verde. Mathäus entendeu que devia “caprichar”
com os óleos e orações, já que aquele era um cristão errante.Tonhão sabia que se aproximava do fim, mas ainda teve tempo de pedir um favor ao padre. Ele mostrou um envelope e uma pequena imagem de Ogum (São Jorge) e disse que pretendia devolvê-la à mãe porque havia feito essa promessa a ela... Era certo que ele mesmo não poderia cumprir o prometido, então deixava com o padre o pouco dinheiro que possuía e que podia ser utilizado para as despesas...
Mathäus sentenciou que, enfim, o rapaz que incorporava espíritos havia se convertido, pois estava claro que cultuava um santo mártir... Garantiu que não precisava se preocupar com suas despesas. E disse que encontraria o endereço (registrado no envelope) da residência na Casa Verde...
Depois dessas palavras, encomendou a alma do moribundo.
(...)
Esse episódio tem um final curioso...
É claro que anos mais tarde Tião ficou sabendo...
E é por isso que podia refletir sobre ele.
Embora dissesse que Tonhão não precisava se preocupar com suas despesas,
Mathäus acabou embolsando todo o dinheiro que ele lhe entregou...
Um padre de Lorena apareceu para substitui-lo alguns dias depois dos
acontecimentos narrados acima. Então o alemão seguiu para São Paulo e pôde
visitar a mãe do soldado na Casa Verde.
O sacerdote ficou sabendo
que Mãe Catarina D’Oxum estava na gira... Ele explicou a uma jovem de turbante
branco e longa saia rodada o que havia ocorrido com Tonhão... Depois pediu que
ela entregasse os objetos que o rapaz havia enviado à mãe... A moça chorou e
disse que ele devia fazer a entrega pessoalmente depois que o guia da Mãe
Catarina subisse...
Naquele dia se festejava
Ogum, “o santo de cabeça do pai Tonhão”... Mathäus teve de se dirigir ao congá (altar).
Aconteceu que a
atmosfera contagiou o religioso católico... Ele começou a perder os sentidos e
sentiu que estava desmaiando... Na verdade, depois de soltar um forte grito e
estremecer-se todo, ele incorporou Ogum... As pessoas presentes logo perceberam
a transformação.
O tipo branquelo arrancou a batina preta e pediu que a envolvessem em
panos vermelhos... Ele estava arrepiado e sua pele parecia queimar... Colocaram
contas de cristal em seu pescoço e deram-lhe uma espada dourada e também o
capacete que era de Tonhão.
Completamente transformado, começou a dar passes e
conselhos aos presentes... Anunciou que Tonhão não retornaria, mas Ogum jamais
os abandonaria.
(...)
E foi isso... O alemão
Mathäus acabou se desenvolvendo na umbanda... Ele, que tanto criticava os
cultos afros, dobrou-se à realidade que descobriu visitando a mãe de Tonhão...
Para ela, o filho seria
para sempre o herói da família...
Para o padre, Pai Tonhão seria sempre um grande
herói.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto