terça-feira, 12 de maio de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – de um conto de Tudo por São Paulo, de Horácio de Andrade: Barnabé e Dito, dois soldados da Legião perdidos nas cercanias de Mato Grosso; quem “ganha” em meio a tantas perdas?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/05/a-legiao-negra-luta-dos-afro_12.html antes de ler esta postagem:

Faustino apresenta ainda um registro a respeito de um conto que foi publicado em Tudo por São Paulo, de Horácio de Andrade. Ele nos ajuda a refletir a respeito da crueldade dos conflitos armados e sua incoerência.
(...)
Segue uma síntese:
Dito e Barnabé eram soldados que pertenciam a um batalhão da Legião Negra, mas estavam perdidos... Apartaram-se de seu grupamento nas proximidades de Mato Grosso, onde percorriam os morros em busca de algum sinal de seus companheiros... Tinham esperança de encontrar o pelotão, mas era certo que se arriscavam, pois podiam topar com as tropas inimigas a qualquer momento.
Eventualmente encontravam um ou outro vivente daquelas bandas. Perguntavam se haviam visto um “batalhão só de soldados pretos”... Normalmente a resposta era negativa...
Mas houve uma ocasião em que um carroceiro disse-lhes que ouvira tiroteio na noite anterior, e que na margem do rio havia muitos mortos...
Os dois se encaminharam para o local indicado pelo tipo... Ao chegarem se depararam com incontáveis soldados mortos... Eles pertenciam a um batalhão inimigo...
O cenário era deplorável, mas Barnabé não se incomodou com isso e passou a retirar as botas de um dos cadáveres... Dito estranhou e disse que o amigo só podia estar louco, depois indagou se ele não tinha medo de assombrações...
Barnabé se explicou... Falou que as botas não tinham mais nenhuma serventia aos defuntos... Disse também que não fazia sentido permanecerem com botas tão pesadas e ruins já que havia tantas à disposição... Tratou de trocar as que calçava e tomou posse de outros dois pares que poderiam ser negociados mais tarde.
Barnabé estava acostumado... Fizera a mesma coisa durante as revoluções de 1924 e de 1930... Lamentava apenas nunca ter encontrado generais mortos (esses morrem adoentados na cama), pois certamente conseguiria indumentárias e equipamentos ainda melhores.
(...)
Para Dito, aquela atitude do companheiro apenas reforçava a ideia que a sociedade fazia dos negros, ou seja, a de merecerem a desconfiança por tudo o que de errado era feito... Ele disse que não era por acaso que os brancos os chamavam de “vagabundos e ladrões”.
Barnabé protestou... Comentou que a interpretação de Dito era preconceituosa e racista... O seu procedimento não era errado... Não se tratava de roubo, mas de “expropriação”, palavra que aprendeu das conversas que ouvia entre os estudantes de Direito quando era engraxate nas proximidades do Ponto Chic.
Para Barnabé, se roubassem/expropriassem, ou não, sempre diriam que eles (a gente negra) fizeram algo errado... Portanto, de acordo com o seu entendimento, o preconceito estava enraizado na sociedade dominante.
(...)
Continuaram a discutir a respeito do racismo, e também sobre a disposição que Barnabé tinha de tirar vantagem em meio às tragédias provocadas pela guerra...
Os dois prosseguiram sua expedição e de repente ouviram disparos e canhoneiros... As explosões eram assustadoras e por isso decidiram interromper a marcha. Encontraram uma gruta onde puderam passar a noite... Ao amanhecer retomaram a caminhada tomando como referência o leito do rio.
Os rapazes encontraram um barqueiro que informou que o confronto da noite anterior tinha sido ali perto, bastaria seguir no rumo da mata e chegar à clareira... Disse também que os últimos soldados que haviam passado por ali tinham fardas iguais às deles, mas eram todos brancos.
Barnabé e Dito ficaram um pouco decepcionados ao saberem que não se tratava de batalhão da Legião, porém o fato de ouvirem que os soldados avistados pelo barqueiro eram aliados os animou a prosseguir no rumo do cenário de batalha... Concluíram que os paulistas passaram rapidamente pelo local e seguiram em diante... Barnabé não deixou de manifestar sua esperança de encontrar algum oficial morto...
(...)
Logo chegaram ao local... Havia mortos espalhados por todos os lados... Barnabé apressou o passo para conferir os despojos...
Dito ficou para trás... Ele não se conformava com a falta de juízo do companheiro... De repente ouviu uma escandalosa risada de Barnabé. Então pensou que algo muito estranho devia estar acontecendo porque as montanhas ressoavam a gargalhada do maníaco por botas e outros acessórios de soldados mortos.
Ao notar que Dito se aproximava, Barnabé perguntou-lhe se era certo que os pretos fossem os ladrões...
Ao notar que todos os soldados mortos estavam descalços, Dito entendeu o motivo do comportamento alucinado de Barnabé...
Os dois fizeram o sinal da cruz... De certa forma pediam perdão aos mortos pela profanação imposta pelos soldados (brancos) que os antecederam...
Continuaram o seu caminho... Riam sem entender o motivo... Além daquela “incoerência”, o que mais a guerra revelaria?
Afinal, quem “ganha” em meio a tantas perdas?
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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