Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_29.html
antes de ler esta postagem:
Como é que as almas
poderiam retornar a Deus se Menocchio mesmo admitia que “Deus é ar, água, terra
e fogo”? Ele respondeu que acreditava que o espírito, “que é alma”, retorna a
Deus de onde ele saiu... O vigário-geral insistiu que o acusado se explicasse
melhor, então o camponês esclareceu que todas as coisas do mundo são Deus,
assim sendo, as almas retornam às coisas do mundo segundo o agrado de Deus...
Recordando-se das imagens que via nas igrejas completou que, “como anjinhos que
estão dependurados ao redor de Deus”, assim também ocorria com as almas...
Perto de Deus ficariam apenas as de maior mérito... As que fazem mal são
dispersas pelo mundo... Menocchio não tinha segurança nas palavras que ele
mesmo proferia... É por isso que apelou para a representação iconográfica
religiosa na esperança de ela responder satisfatoriamente à pergunta do
vigário-geral.
Foi depois desse esforço de Menocchio que o inquisidor o pressionou
ainda mais, enumerando suas negações anteriores a respeito da imortalidade da
alma... Menocchio respondeu que se recordava de ter falado sobre o assunto com
algumas pessoas mais chegadas (Giuliano Stefanut, Melchiore Gerbas, Francesco
Fasseta)... Então caiu em contradição, já que contou que, para eles, havia dito
que “morto o corpo, morre a alma, mas o espírito continua”.
Em
situação anterior ele garantiu que o espírito e a alma são a mesma coisa... Mas
a partir dessa revelação sobre o que disse aos amigos, o vigário quis saber se
ele acreditava que corpo, alma e espírito são elementos distintos uns dos
outros... O moleiro respondeu afirmativamente, explicando que o espírito nos
inspira a fazer as coisas que devem ser concretizadas, e que as almas são as
“operações da mente”... O corpo obedece às operações.
Menocchio revelou que no
homem há sete coisas que são como almas e elas são “intelecto, memória,
vontade, pensamento, crença, fé e esperança”. Elas nos foram dadas por Deus e
nos levam a realizar as obras... E por isso (garantiu Menocchio) é que ele afirmou
que “morto o corpo, morta a alma”... Ele explicou também que o espírito é
“separado do homem, tem a mesma vontade do homem, rege e governa o homem”...
Depois da morte, o espírito bom retorna a Deus. Para explicar melhor (?),
Menocchio completou o quadro afirmando que todos nós sofremos tentações e
podemos agir mal, já que “nosso coração tem duas partes, uma iluminada e outra
escura”... O espírito bom está na parte iluminada, mas a parte escura é
habitada pelo espírito ruim.
É
claro que a cada nova explicação Menocchio se fazia entender menos e se
complicava mais perante as autoridades religiosas... Dois espíritos, sete almas
e um corpo composto pelos quatro elementos?
No
Fioretto dela Bibbia certamente
Menocchio leu a respeito dos vários nomes da alma no corpo de acordo com as
funções:
“se a alma dá vida ao corpo é chamada de substância;
se é vontade, é chamada de coração; quando o corpo expira, é o espírito;
enquanto ela entende e sente, pode-se dizer que é o juízo; enquanto imagina e
pensa, é a imaginação ou memória; (...) a inteligência está colocada na parte
mais alta da alma, onde recebemos razão e conhecimento, já que nos assemelhamos
a Deus...”
Não é possível ouvir de Menocchio o trecho do Fioretto com a “exata enumeração”
apresentada acima... Mas notamos as analogias... A divergência mais gritante
está no trecho que diz “quando o corpo expira, (a alma) é o espírito”... Além
disso, somos levados a pensar sobre a distinção que Menocchio fez entre “alma
mortal” e “espírito imortal”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto