Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/04/decamerao-de-giovanni-boccaccio-quinta.html
antes de ler esta postagem:
A novela narrada por
Fiammetta foi comentada e elogiada por todos, de fato apreciaram a atitude da
marquesa que deu “elegante castigo” ao rei... A sexta história coube a Emília...
Ela adiantou que falaria sobre um frade avarento e aproveitador que acabou se
envolvendo com um leigo, um bom homem...
O
evento havia se passado em Florença mesmo... O frade menor fazia de tudo para ser
reconhecido como cristão fervoroso e devoto... Tratava-se de inquisidor de “heréticas
infâmias”... Seu desejo era que o vissem como a um santo, entretanto quando
percebia que eram ricas as pessoas que investigava, parecia não se orientar
pelo rigor inquisitorial.
Houve certa ocasião em que
o nosso “frade menor” viu-se perante um tipo que, em suas beberagens, teria
dito que possuía um vinho tão bom que o próprio Cristo teria gosto em
bebê-lo... Emília sustenta que o homem não calculou (e nem tinha como refletir)
que suas palavras pudessem resultar em alguma complicação... Mas foi o que
ocorreu... O frade “implacável” foi comunicado sobre o episódio.
Certificando-se
que o acusado era endinheirado, o religioso iniciou o processo imediatamente e
exigiu que ele se apresentasse para responder se a acusação era procedente... O
homem que, além de imprudente e endinheirado, não dissimulava, respondeu que o
episódio era verdadeiro... O “santíssimo frade” (no dizer de Emília, “devoto de
São João Barba de Ouro”, numa referência à sua ganância) mostrou indignação e
disse que o acusado estava transformando Cristo em degustador de vinhos como os
beberrões conhecidos (fala de certo Cinciglione) das tabernas... E arrematou garantindo
que aquilo não era uma falta leve e devia ser punida com a fogueira.
É
claro que o tipo secular (o “leigo herético”) ficou apavorado com as severas
palavras que ouviu... Seu alívio só foi possível depois que alguns
intermediários receberam dele muita “graxa de São João Barba de Ouro” para “untar”
as mãos do frade avarento... O “remédio” foi tão eficaz que a tal fogueira ameaçadora
apagou-se dos discursos do inquisidor... Mais que isso... Estando o homem se
preparando para atravessar o oceano (certamente a negócios), o frade tratou de
tornar o empreendimento associado à sagrada religião... Uma cruz amarela com
fundo preto “ornamentou” a embarcação...
Depois de embolsar o dinheiro do bom e ingênuo homem,
o frade deu um jeito de mantê-lo sempre à vista... Obrigou-o a assistir às
missas matinais na famosa igreja de Santa Cruz (lá estão os restos mortais de Michelangelo,
Maquiavel, Galileu Galilei, Rossini...).
Numa
das missas, o evangelho ensinava que os fiéis à doutrina teriam “por um, cem”,
e assim possuirão a vida eterna. O nosso personagem foi orientado a, após a
missa, encontrar-se com o frade... Assim ele fez... Era hora do almoço dos
religiosos e ao recebê-lo, o frade perguntou se havia algo que, durante a missa,
teria resultado em dúvida para ele. O penitente bem poderia dizer que entendera
tudo, pensar que o dinheiro que dava ao inquisidor pudesse representar (de
acordo com a mensagem do evangelho) benefício após a morte... Mas, além de
responder que havia entendido tudo o que tinha ouvido e que não tinha dúvida a
respeito de nada, falou que tirou conclusões que lhe deram certezas e
proporcionaram-lhe o sentimento de piedade em relação ao frade e aos demais
religiosos...
Falou
que, pelo que entendeu, a situação deles deveria ser péssima “na outra vida”. É
claro que o frade quis saber o que o faria pensar daquela maneira... Sem
pestanejar, o homem citou o trecho “vocês terão por um, cem, e possuirão a vida
eterna”... O frade quis saber por que a passagem o havia comovido... O bom
homem respondeu que, como estava obrigado a frequentar o lugar devido à
penitência que recebera, notava que diariamente os frades doavam um ou dois
caldeirões de sopa aos pobres que para ali acorriam... Então concluiu que, de
acordo com a Escritura, na outra existência receberiam tantos caldeirões de
sopa (100 por 1) que se afogariam neles...
Os
demais frades que também almoçavam riram-se a valer da ingenuidade do bom
homem... Mas o inquisidor entendeu perfeitamente que aquelas palavras atingiam
diretamente a sua hipocrisia... Ficou perturbado... Aquelas palavras bem
mereciam um novo processo, mas sabia que suas atitudes anteriores o incriminavam...
Depois dessa conversa o frade livrou o bom homem da
obrigação diária de aparecer perante a sua autoridade e, dessa forma, pôde fazer
o quem bem entendesse durante o seus dias.
Fim da sexta novela.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/decamerao-de-giovanni-boccaccio-setima.html
Leia: Decamerão. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto