A novela narrada por Fiammetta foi comentada e elogiada por todos, de fato apreciaram a atitude da marquesa que deu “elegante castigo” ao rei... A sexta história coube a Emília... Ela adiantou que falaria sobre um frade avarento e aproveitador que acabou se envolvendo com um leigo, um bom homem...
O evento havia se passado em Florença mesmo... O frade menor fazia de tudo para ser reconhecido como cristão fervoroso e devoto... Tratava-se de inquisidor de “heréticas infâmias”... Seu desejo era que o vissem como a um santo, entretanto quando percebia que eram ricas as pessoas que investigava, parecia não se orientar pelo rigor inquisitorial.
Houve certa ocasião em que o nosso “frade menor” viu-se perante um tipo que, em suas beberagens, teria dito que possuía um vinho tão bom que o próprio Cristo teria gosto em bebê-lo... Emília sustenta que o homem não calculou (e nem tinha como refletir) que suas palavras pudessem resultar em alguma complicação... Mas foi o que ocorreu... O frade “implacável” foi comunicado sobre o episódio.
Certificando-se que o acusado era endinheirado, o religioso iniciou o processo imediatamente e exigiu que ele se apresentasse para responder se a acusação era procedente... O homem que, além de imprudente e endinheirado, não dissimulava, respondeu que o episódio era verdadeiro... O “santíssimo frade” (no dizer de Emília, “devoto de São João Barba de Ouro”, numa referência à sua ganância) mostrou indignação e disse que o acusado estava transformando Cristo em degustador de vinhos como os beberrões conhecidos (fala de certo Cinciglione) das tabernas... E arrematou garantindo que aquilo não era uma falta leve e devia ser punida com a fogueira.

Depois de embolsar o dinheiro do bom e ingênuo homem, o frade deu um jeito de mantê-lo sempre à vista... Obrigou-o a assistir às missas matinais na famosa igreja de Santa Cruz (lá estão os restos mortais de Michelangelo, Maquiavel, Galileu Galilei, Rossini...).
Numa das missas, o evangelho ensinava que os fiéis à doutrina teriam “por um, cem”, e assim possuirão a vida eterna. O nosso personagem foi orientado a, após a missa, encontrar-se com o frade... Assim ele fez... Era hora do almoço dos religiosos e ao recebê-lo, o frade perguntou se havia algo que, durante a missa, teria resultado em dúvida para ele. O penitente bem poderia dizer que entendera tudo, pensar que o dinheiro que dava ao inquisidor pudesse representar (de acordo com a mensagem do evangelho) benefício após a morte... Mas, além de responder que havia entendido tudo o que tinha ouvido e que não tinha dúvida a respeito de nada, falou que tirou conclusões que lhe deram certezas e proporcionaram-lhe o sentimento de piedade em relação ao frade e aos demais religiosos...
Falou que, pelo que entendeu, a situação deles deveria ser péssima “na outra vida”. É claro que o frade quis saber o que o faria pensar daquela maneira... Sem pestanejar, o homem citou o trecho “vocês terão por um, cem, e possuirão a vida eterna”... O frade quis saber por que a passagem o havia comovido... O bom homem respondeu que, como estava obrigado a frequentar o lugar devido à penitência que recebera, notava que diariamente os frades doavam um ou dois caldeirões de sopa aos pobres que para ali acorriam... Então concluiu que, de acordo com a Escritura, na outra existência receberiam tantos caldeirões de sopa (100 por 1) que se afogariam neles...
Os demais frades que também almoçavam riram-se a valer da ingenuidade do bom homem... Mas o inquisidor entendeu perfeitamente que aquelas palavras atingiam diretamente a sua hipocrisia... Ficou perturbado... Aquelas palavras bem mereciam um novo processo, mas sabia que suas atitudes anteriores o incriminavam...
Depois dessa conversa o frade livrou o bom homem da obrigação diária de aparecer perante a sua autoridade e, dessa forma, pôde fazer o quem bem entendesse durante o seus dias.
Fim da sexta novela.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/decamerao-de-giovanni-boccaccio-setima.html
Leia: Decamerão. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto