sexta-feira, 26 de abril de 2013

“Decamerão”, de Giovanni Boccaccio – Sexta novela do primeiro dia – contada por Emília – a história do frade inquisidor avarento e suas ameaças ao rico, ingênuo e bom leigo; chantagem sobre a morte na fogueira e o “remédio” indicado para o caso; refém da ganância do frade, o bom homem conseguiu livrar-se dele após proferir seu entendimento sobre leitura do evangelho

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/04/decamerao-de-giovanni-boccaccio-quinta.html antes de ler esta postagem:

A novela narrada por Fiammetta foi comentada e elogiada por todos, de fato apreciaram a atitude da marquesa que deu “elegante castigo” ao rei... A sexta história coube a Emília... Ela adiantou que falaria sobre um frade avarento e aproveitador que acabou se envolvendo com um leigo, um bom homem...
O evento havia se passado em Florença mesmo... O frade menor fazia de tudo para ser reconhecido como cristão fervoroso e devoto... Tratava-se de inquisidor de “heréticas infâmias”... Seu desejo era que o vissem como a um santo, entretanto quando percebia que eram ricas as pessoas que investigava, parecia não se orientar pelo rigor inquisitorial.
Houve certa ocasião em que o nosso “frade menor” viu-se perante um tipo que, em suas beberagens, teria dito que possuía um vinho tão bom que o próprio Cristo teria gosto em bebê-lo... Emília sustenta que o homem não calculou (e nem tinha como refletir) que suas palavras pudessem resultar em alguma complicação... Mas foi o que ocorreu... O frade “implacável” foi comunicado sobre o episódio.
Certificando-se que o acusado era endinheirado, o religioso iniciou o processo imediatamente e exigiu que ele se apresentasse para responder se a acusação era procedente... O homem que, além de imprudente e endinheirado, não dissimulava, respondeu que o episódio era verdadeiro... O “santíssimo frade” (no dizer de Emília, “devoto de São João Barba de Ouro”, numa referência à sua ganância) mostrou indignação e disse que o acusado estava transformando Cristo em degustador de vinhos como os beberrões conhecidos (fala de certo Cinciglione) das tabernas... E arrematou garantindo que aquilo não era uma falta leve e devia ser punida com a fogueira.
É claro que o tipo secular (o “leigo herético”) ficou apavorado com as severas palavras que ouviu... Seu alívio só foi possível depois que alguns intermediários receberam dele muita “graxa de São João Barba de Ouro” para “untar” as mãos do frade avarento... O “remédio” foi tão eficaz que a tal fogueira ameaçadora apagou-se dos discursos do inquisidor... Mais que isso... Estando o homem se preparando para atravessar o oceano (certamente a negócios), o frade tratou de tornar o empreendimento associado à sagrada religião... Uma cruz amarela com fundo preto “ornamentou” a embarcação...
Depois de embolsar o dinheiro do bom e ingênuo homem, o frade deu um jeito de mantê-lo sempre à vista... Obrigou-o a assistir às missas matinais na famosa igreja de Santa Cruz (lá estão os restos mortais de Michelangelo, Maquiavel, Galileu Galilei, Rossini...).
Numa das missas, o evangelho ensinava que os fiéis à doutrina teriam “por um, cem”, e assim possuirão a vida eterna. O nosso personagem foi orientado a, após a missa, encontrar-se com o frade... Assim ele fez... Era hora do almoço dos religiosos e ao recebê-lo, o frade perguntou se havia algo que, durante a missa, teria resultado em dúvida para ele. O penitente bem poderia dizer que entendera tudo, pensar que o dinheiro que dava ao inquisidor pudesse representar (de acordo com a mensagem do evangelho) benefício após a morte... Mas, além de responder que havia entendido tudo o que tinha ouvido e que não tinha dúvida a respeito de nada, falou que tirou conclusões que lhe deram certezas e proporcionaram-lhe o sentimento de piedade em relação ao frade e aos demais religiosos...
Falou que, pelo que entendeu, a situação deles deveria ser péssima “na outra vida”. É claro que o frade quis saber o que o faria pensar daquela maneira... Sem pestanejar, o homem citou o trecho “vocês terão por um, cem, e possuirão a vida eterna”... O frade quis saber por que a passagem o havia comovido... O bom homem respondeu que, como estava obrigado a frequentar o lugar devido à penitência que recebera, notava que diariamente os frades doavam um ou dois caldeirões de sopa aos pobres que para ali acorriam... Então concluiu que, de acordo com a Escritura, na outra existência receberiam tantos caldeirões de sopa (100 por 1) que se afogariam neles...
Os demais frades que também almoçavam riram-se a valer da ingenuidade do bom homem... Mas o inquisidor entendeu perfeitamente que aquelas palavras atingiam diretamente a sua hipocrisia... Ficou perturbado... Aquelas palavras bem mereciam um novo processo, mas sabia que suas atitudes anteriores o incriminavam...
Depois dessa conversa o frade livrou o bom homem da obrigação diária de aparecer perante a sua autoridade e, dessa forma, pôde fazer o quem bem entendesse durante o seus dias.
Fim da sexta novela.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/decamerao-de-giovanni-boccaccio-setima.html
Leia: Decamerão. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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