segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Considerações sobre “A História trágico-marítima das crianças...", de Fábio Pestana Ramos


Demorei, mas decidi tornar públicas algumas considerações que fiz (em 2002 ou 2003) sobre o texto “A História trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI”, de Fábio Pestana Ramos. Este texto pode ser encontrado em História das crianças no Brasil, um livro organizado por Mary Del Priori.

Já que as considerações que elaborei são um pouco extensas, resolvi dividi-la em três partes, mais ou menos como fiz quando postei as considerações sobre A excêntrica família de Antônia - http://aulasprofgilberto.blogspot.com/2010/11/filme-excentrica-familia-de-antonia.html -. Como o próprio título indica, o texto trata da situação das crianças europeias que vieram para o Brasil ao tempo das viagens marítimas para a colonização. O texto está quase todo em seu formato de oito anos atrás.

Segue, então, o que podemos chamar de Parte I:

O texto de Fábio Pestana Ramos foi selecionado pela historiadora Mary Del Priore, que muito tem se dedicado às pesquisas sobre os “silenciados” em nossa História. Um dos exemplos que podemos dar é o revelador “História das mulheres: As vozes do silêncio” que recentemente saiu em “Historiografia Brasileira em Perspectiva” da Editora Contexto (um texto de Jorge Coli aqui tratado - http://aulasprofgilberto.blogspot.com/2010/10/estudo-sobre-os-primordios-da.html - é parte deste livro aí).


“A História trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI” faz parte de “História das crianças no Brasil”, também lançado pela Contexto.
Os cinco primeiros parágrafos fazem uma introdução perfeita do que é tratado: as viagens marítimas portuguesas do século XVI, sobretudo nas “carreiras” da Índia e do Brasil e o envolvimento de crianças nesses episódios (muito bem classificados como trágicos para as crianças). “As crianças subiam a bordo somente na condição de grumetes ou pagens, como órfãs do rei enviadas ao Brasil para se casarem com os súditos da Coroa, ou como passageiros embarcados em companhia dos pais ou de algum parente.” (página 19)

É preciso considerar os dados relativos acerca da mortalidade infantil em Portugal (e em toda a Europa não era diferente) entre os séculos XIV e XVIII. A expectativa de vida entre as crianças portuguesas era muito baixa, para termos uma idéia rondava os 14 anos, e “cerca da metade dos nascidos vivos morria antes de completar sete anos”. Na visão dos adultos pobres, a criança era um estorvo e a sua morte não era ruim, pois significava “uma boca a menos para ser alimentada”. Não havia grande apego às crianças, seres frágeis demais naqueles tempos terríveis. A idéia que os adultos tinham de escravo (“instrumentos vocais”, uma “ferramenta de trabalho capaz de falar”) era similar à categoria a que a criança estava classificada.

As crianças pobres urbanas eram as mais recrutadas... Principalmente porque as do meio rural eram extremamente importantes no árduo trabalho agrário. Os pais das crianças recrutadas consideravam a possibilidade de o trabalho de seus filhos nas embarcações aumentar a renda familiar. De qualquer maneira, como já foi citado, o recrutado significava uma diminuição das demandas de sua prole. A mortandade nos navios não assustava porque a realidade da “terra firme” portuguesa (onde morrer jovem era natural) se assemelhava a tudo isso. As altas possibilidades de morte a bordo podem ser confirmadas pelos dados estatísticos (algo em torno de 89% dos que embarcavam acabavam mortos). Toda essa mortandade justificava o recrutamento de crianças (principalmente para o trabalho de grumetes nos navios).

Mas se entre as famílias lusitanas cristãs daquele tempo o recrutamento não significava uma “grande perda afetiva”, entre as famílias judias, que não tratavam suas crianças como mais uma fonte de renda, o caso era um verdadeiro drama.
O grumete desempenhava as piores e mais árduas tarefas (para um adulto já seriam consideradas pesadas demais) nas viagens. Registros diversos confirmam que as crianças (esses pequenos marujos) chegaram mesmo a representar o maior contingente a bordo em certas ocasiões. Os grumetes recebiam de soldo menos do que os marujos, e eram considerados a mais baixa categoria na hierarquia da marinha portuguesa. As indefesas crianças recebiam todo tipo de maltrato. Os adultos inescrupulosos as exploravam de todas as maneiras, abusavam tanto nos trabalhos como sexualmente.

Para amanhã estou prometendo uma Parte II. Está bem interessante... Não perca!
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2010/12/consideracoes-sobre-historia-tragico_14.html
Um abraço,
Prof.Gilberto

Leia: História das crianças no Brasil. Editora Contexto.

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