O casal dormiu até o momento em que bateram furiosamente na porta. Obviamente os dois se atrapalharam com a inesperada interrupção do sossego. Ondina dirigiu-se para o canto atrás da porta vestida apenas com o lençol. Sem Medo teve dificuldade para colocar as calças.
Era Vewê que chegava apavorado e gritando que a Base tinha sido invadida. O rapaz nem reparou que o comandante estava mal-arranjado com as roupas e sem saber onde havia colocado as botas.
Sem Medo ia dando um jeito de esconder Ondina atrás da porta enquanto orientava o guerrilheiro a se retirar para que pudessem conversar melhor. Vewê havia se agachado para procurar as botas, e por pouco não viu a Ondina envolvida no lençol.
(...)
A notícia era dramática.
Os
tugas haviam chegado à Base! Sem Medo quis saber do Comissário Político, mas
Vewê não tinha informações precisas. Disse que estava junto ao forno quando
ouviu as rajadas. Viu que os camaradas fugiram apressadamente e só teve tempo
de se dirigir ao alojamento para buscar sua arma. O problema é que os
companheiros tentavam escapar se dirigindo para o local mesmo onde estavam os
inimigos.
Sem Medo pediu para ele chamar o velho Kandimba... Enquanto
isso encontraria as botas.
(...)
Ao
retornar ao quarto, encontrou Ondina. Foi terminando de se arrumar e de ajeitar
a AKA enquanto dizia que buscaria mais homens no depósito. Era preciso ir à
Base, contra-atacar os tugas e salvar o que fosse possível.
Ondina
não conseguiu esconder o seu desespero e nem evitar as lágrimas. Apertou as
mãos de Sem Medo e implorou para que salvasse o João. Pediu que Sem Medo o
resgatasse... E seguiu implorando por tudo o que haviam experimentado durante a
última noite.
Sem Medo observou que, de fato, ela gostava do Comissário
Político. Amargurada, ela respondeu que se sentiria culpada se o João tivesse
sido capturado ou assassinado.
Ele vociferou que as palavras dela não tinham o menor cabimento,
pois elas equivaliam a dizer que ela mesma havia dirigido os inimigos à Base.
Depois de beijá-la na nuca, seguiu imediatamente para o
jipe e deu umas orientações ao Kandimba.
(...)
No
caminho para o depósito, Vewê narrou sobre o ocorrido. Explicou que, logo que
chegou, o Comissário Político contou que os tugas estavam no Pau Caído... Da
Base saiu um grupo de reconhecimento chefiado pelo Chefe de Operações. Os
camaradas patrulhariam a montanha bem à frente de onde estavam os inimigos. O
Comissário ordenou que os que permaneceram reforçassem a guarda. Então todos se
puseram a cavar trincheiras.
Foi nessa ocasião que o Vewê ouviu as rajadas e os gritos
de “apanha vivo, apanha vivo!” Sem saber o que fazer, decidiu ir ao alojamento
para buscar a pistola. No momento mesmo em que estava para pegar a arma, viu os
companheiros saírem em disparada... Corriam enfileirados bem para o lado onde
estavam os inimigos a dispararem tiros.
Sem Medo perguntou novamente sobre o Comissário. Vewê
repetiu que não tinha notícias e emendou que seguiu até o guarda para comunicar
o ocorrido... O homem, que estava a caminho da Base, decidiu acompanhá-lo em
sua retirada pela montanha.
(...)
Sem
Medo ouviu a narrativa sem entender muito bem o que pensar... Havia algo que
não se encaixava nos procedimentos que normalmente adotariam numa situação como
aquela.
Ele
estranhou o que Vewê disse sobre os disparos dos inimigos... Eles atacaram
apenas pelo rio! Não era possível que os tugas cometessem este erro de atacar a
Base apenas por um lado!
Ao mesmo tempo não entendia como é que guerrilheiros tão
bem preparados (Muatiânvua, Verdade e o próprio Comissário) se deslocassem
exatamente para o local dos tiros, deixando de escapar pela montanha...
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/04/mayombe-de-pepetela-reunindo-reforcos.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto