Sem Medo falou sobre o libertino de Praga e o quanto a sua companheira alemã o flertava... Para Ondina, certamente o tipo não amava a Karin porque ele pouco se importava com as relações dela. Sem Medo respondeu que aquele raciocínio não podia ser mais simples. Para ele, o problema é que se fazia uma análise a partir de conceitos há muito arraigados na sociedade de tradição cultural e religiosa judaico-cristã... Possivelmente Ondina esperava que todo casal fosse formado por um tipo ciumento e sua mulher... E essa teria sempre o status de “propriedade”!
A partir desse ponto de vista, Sem Medo fez referência às propriedades que são arrendadas, lembrando que não raro elas se tornam melhores, rejuvenescem e se tornam mais produtivas... Depois citou o caso de um congolês que flagrou sua mulher em traição... Diz-se que ele exigiu pagamento pela ofensa, mas não se zangou muito mais por entender que a mulher não saía “mais gasta” do caso com o outro... Então o citado congolês, que nunca tivera contato com o cristianismo, resolvia a questão sem maiores dramas.
(...)
Sem Medo fez essa narrativa para lembrar que Ondina, ele
próprio e os demais camaradas estavam “aculturados, corrompidos e muito mais
alienados”.
Ondina quis saber se o fato de Sem Medo rejeitar o
casamento tinha a ver com a sua ideia de que “o ciúme é alienação”. Ele disse
que no momento aquela sentença bem poderia responder à questão... Mas ressaltou
que tudo dependia das ocasiões e do entendimento com aquelas com os quais viesse
a se relacionar.
Tudo
bem poderia se resumir à problematização sobre até que ponto as pessoas são
sinceras... Quem se coloca nos relacionamentos com toda a sinceridade?
(...)
Sem Medo disse isso e emendou que já era tempo de
deixarem de falarem dele para poderem falar dela também.
Ela
pediu um cigarro, deixou os braços leves e soltos, levantou-os e baixou-os logo
a seguir... Disse que se entendia como uma “libertina” e que tudo indicava que
poderia se casar com um tipo como francês de Praga.
Sem
Medo lembrou que anteriormente ela havia dito que o “libertino de Praga” sequer
amava a bela Karin, pois não alimentava nenhum ciúme.
Ondina completou o seu raciocínio... Disse que poderia
fazer um par perfeito com o outro, todavia enganava-se quem achava que sua
relação envolveria amor. De acordo com a sua opinião, o relacionamento perfeito
se resumia ao casal que tinha vontade de permanecer junto por vezes apenas. Em
relação ao amor, tinha a dizer que esse sentimento destrói os casais.
Portanto, ela não acreditava no amor. Por fim, sentenciou
que só poderia se casar com um tipo como aquele que Sem Medo conhecera em
Praga. O problema é que jamais encontraria alguém como ele.
Sem Medo disse que não acreditava em suas palavras e ela
sustentou que no momento em que conversavam pensava daquela maneira. Ele a fez
pensar nos episódios dos últimos dias e ela admitiu que aquela era exatamente a
sua ideia sobre como deveria ser a relação a dois.
Ainda
em resposta, Ondina disse que ele mesmo havia afirmado que as pessoas “nunca
dizem tudo”... Talvez fosse ciumenta, mas isso dependia de vários fatores... No
começo da relação, o ciúme se torna mais provável, depois, com o passar do tempo,
a relação se desgasta e o ciúme desaparece completamente.
Sem Medo perguntou se ela sentia ciúme do João
Comissário... Ondina protestou dizendo que não havia motivo para trazê-lo à
conversa. Garantiu que já o havia esquecido. Novamente Sem Medo disse que não acreditava
em suas palavras... Ela ressaltou que talvez ele pudesse estar sentindo falta
de João. E emendou que o vínculo entre ambos era tão intenso que Sem Medo poderia
ser a “mulher ideal” para o outro.
Sem
Medo contou que o Comissário até lhe dissera que suspeitava de que fosse um
homossexual. Ondina sugeriu que não se devia dar tanta atenção às palavras do João
Comissário.
Neste ponto, Sem Medo deu a entender que Ondina repetia o
que ele mesmo lhe dissera em outra ocasião... Disse que ela estava se saindo uma
“boa aluna”. Ao mesmo tempo sentenciou que não se deve proferir chavões a todo
momento porque sempre haverá a possibilidade de os usarem para explicarem
nossas falhas.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto