A reflexão de Sem Medo a respeito das incoerências percebidas na narrativa do jovem Vewê a respeito do ataque dos tugas à Base não durou muito mais porque logo chegaram ao depósito.
Seguiu-se uma tremenda agitação porque o comandante acelerou o jipe, buzinou e gritou o mais que pôde. Os homens foram tomando posse de suas armas... O chefe do depósito aprontou-se rapidamente para se apresentar imediatamente.
Sem Medo anunciou que a Base havia sido atacada. Explicou que levaria os guerrilheiros de jipe até o escritório político. Ordenou ao chefe que juntasse todos os civis aptos a atirar para levá-los de caminhão.
(...)
Não demorou e o caminhão encheu-se de civis...
Enquanto o chefe do depósito os conduzia ao bureau, Sem Medo acomodou munições
e duas metralhadoras mais leves no jipe.
Ao
chegar ao bureau, os civis que estavam no caminhão desceram e cercaram o jipe.
Sem Medo foi explicando que tentaria chegar à Base e adiantou que os que não se
sentissem bem para a missão, ou que tivessem medo, deviam desistir ali mesmo.
Aconteceu que todos os homens se prontificaram e quiseram
receber armas e munição. Isso tocou profundamente ao Sem Medo que não pôde
deixar de manifestar que o MPLA possuía homens de verdade em seus quadros. Para
não ser notado em sua emoção, dirigiu-se diretamente para o escritório
político, onde reencontrou Ondina.
Ela
ainda estava bem abalada e agarrou-lhe as mãos, implorando que fizesse de tudo
para salvar o seu amado João. Sem Medo respondeu apenas que já havia lhe feito
a promessa.
(...)
Sem
Medo passou outras orientações ao velho Kandimba e ordenou a partida imediata.
Jipe e caminhão tomados de guerrilheiros e civis rodaram à
toda velocidade. Depois de cruzarem Dolisie, seguiram pela mata em direção à
fronteira.
O comandante guiava o jipe... Ao seu lado ia o Vewê. Para
Sem Medo, o rapaz demonstrara coragem e inteligência ao buscar a arma e se
juntar ao guarda na retirada pela montanha.
Enquanto rodavam pela estrada, Sem Medo pensava nas três
gerações de guerrilheiros envolvidos na luta contra o imperialismo. Ele representava
a mais velha, a mais nova estava representada pelo Vewê, enquanto que o
Comissário Político pertencia à geração intermediária. Sua conclusão era a de
que a geração mais nova herdaria os frutos da Revolução e, também por isso, era
a melhor. Ele e o Comissário participavam como as “pedras do calçamento” da via
revolucionária... Ou então das que edificariam a catedral... Mas parou as
analogias neste ponto ao se perceber fazendo referências à religião.
(...)
No
caminho, Vewê explicou que enquanto se retirava com o guarda encontrou o Chefe
de Operações, decidiu deixá-los juntos, e partiu sozinho para Dolisie em busca
do reforço. Ficou acertado que o Chefe de Operações e o pessoal que estava com
ele os aguardaria na cascata, pois ele mesmo (o Chefe de Operações) tinha
certeza de que o comandante não permaneceria em Dolisie depois de saber do
ataque dos tugas. Sabia que traria reforços.
Sem Medo fez questão de comentar que não podia ter obtido
melhor reforço, tanto em quantidade como em qualidade... Destacou que confiava
nos angolanos. Todos se mostravam desconfiados, mas no momento de partir para a
luta esqueciam suas divisões tribais. Então o movimento tinha esse mérito de “transformar
os homens”.
De tão empolgado com o próprio discurso, Sem Medo chegou a
dar um tapa na perna de Vewê. Este não se pronunciou, pois estava mais
interessado em se segurar no jipe que chacoalhava para tudo quanto era lado. Depois
pensou que nunca vira o comandante tão confiante... Ainda mais que podia
ocorrer de ter de iniciar o seu grupamento “a partir do zero”.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto