O chefe do depósito chegou exausto ao escritório político. O homem não conseguira dormir na última noite exatamente porque teve de fazer a guarda. Simplesmente não confiava na quase totalidade dos guerrilheiros, dada a facilitar a fuga dos prisioneiros.
O chefe do depósito era kimbundo. Sem Medo sorriu e ressaltou que ele devia conhecer bem os homens que comandava (kimbundos, em sua maioria), depois explicou que o havia chamado para tratar de outro assunto.
(...)
Sem Medo falou sobre a ocupação tuga no Pau Caído e
imediatamente o chefe do depósito entendeu que se tratava de algo perigoso.
Entendeu que o Depósito deveria permanecer em estado de prevenção... As armas
deviam ser vistoriadas e ninguém poderia se retirar.
Ele concordou com as observações de Sem Medo e
ressaltou que na região havia militantes aptos a pegarem armas para reforçar a
guerrilha. Entendeu que a Base poderia sofrer um ataque a qualquer momento e se
dispôs a fazer uma lista com os nomes dos militantes com os quais o movimento
poderia contar no caso de uma ação bélica dos imperialistas.
Sem
Medo se referiu à fronteira e à área do Cala-a-Boca, onde poderiam armar uma
emboscada contra os inimigos. Também podia ser que os homens da Base tivessem a
mesma ideia, mas quem poderia garantir que isso lhe fosse comunicado? Também
não podiam deixar de considerar que eles fariam muita falta à Base e talvez o novo
comandante não aprovasse o avanço. Já os que estavam lotados em Dolisie podiam
marchar aos pontos de ação sem provocar desfalques.
O chefe do depósito ouviu os argumentos de Sem Medo,
concordou e garantiu que ele poderia contar com o seu empenho na organização
dos homens. Depois quis saber a respeito dos presos e Sem Medo respondeu que ele
devia colocar os homens de sua confiança na guarda para que pudesse dormir.
Essa situação se manteria até que o novo responsável fosse enviado de
Brazzaville.
(...)
Depois
que o chefe do depósito se retirou, Ondina chegou ao escritório querendo saber
o que Sem Medo tinha a dizer sobre o seu caso. Acaso havia chegado a alguma
resolução?
Ele
respondeu que tinha de aguardar pelas instruções da direção. Ondina quis saber também
se ele tinha produzido algum relatório a respeito das decisões do Comissário.
Sem Medo foi taxativo ao dizer que não fazia relatórios sobre assuntos
pessoais.
Ondina mostrou-se impaciente e destacou que o relatório
faria a direção entender que o Comissário aceitara a separação e que, assim
sendo, não havia motivos para retardarem a sua transferência. Perguntada sobre a
sua vontade de partir, disse ainda que, já que merecia ser castigada, gostaria
que a mandassem para o leste.
Sem Medo brincou que ela podia permanecer por mais alguns
dias, pois ao menos “enfeitava” o ambiente... Ondina brincou com o galanteio e
perguntou se ele não podia intervir na decisão a seu respeito. Ele deixou claro
que a direção tomava conta do caso dela.
A mulher perguntou se podia sair do bureau para dar umas
voltas e ele respondeu que não havia nenhum problema nisso. Assim que o ouviu,
Ondina disse um “até logo”.
Ela
deu-lhe as costas... Ele contemplou suas belas formas...
(...)
Na sequência chegou
outro guerrilheiro dizendo que precisava de um par de calças. Isso fez Sem Medo
pensar nas palavras do Comissário... Ter de resolver uma demanda dessas! Mas
aquilo era um fracasso tremendo! Depois pensou nas medidas que o novo
comandante da Base teria de tomar... Era melhor que não fizesse asneiras.
De tanto que o viu de pensar ensimesmado (e até pronunciar
sua conclusão), o guerrilheiro que necessitava do par de calças até pensou que
o responsável estivesse variando das ideias.
(...)
Na sequência temos um breve relato pessoal do chefe do
depósito.
Ele
lamenta o fato de não poder dormir por causa dos presos, a quem tinha de vigiar.
E conta também que combateu na “Primeira Região”, onde orientou grupos
guerrilheiros que se transferiam do Congo para Angola ou o inverso.
Atuou
no “Esquadrão Kamy” (registros dão conta de que essa guerrilha foi treinada por
cubanos internacionalistas e que contava várias angolanas em seus quadros). Após
o fracasso do movimento, retornou ao Congo.
Sequelas o tornaram inapto para o combate direto e por
isso foi nomeado chefe do depósito, onde atuava há muitos anos. Ele não se sentia
fazendo uma “tarefa menor”, já que “tomar conta do material de guerra também é
fazer a revolução”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/04/mayombe-de-pepetela-fim-do-relato-do.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto