domingo, 28 de abril de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – ainda o relato pessoal do Chefe de Operações; sobre o seu passado nos Dembos e a memória do início da luta contra o imperialismo; a transferência para o Congo e o MPLA; considerações sobre o Comissário Político, sobre o comandante e sua perda sofrida com a tomada da Base; sobre a ideia de que os kikongos pretendiam a restauração do antigo reino do Congo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/04/mayombe-de-pepetela-movimentacao-e.html antes de ler esta postagem:

O Chefe de Operações explica que desde cedo compreendeu a grande contradição que era a de levar uma vida de extrema pobreza em meio à riqueza gerada pela produção do café. O problema é que os grandes empresários exploravam os que trabalhavam duro nas roças... Tudo o que produziam era adquirido por preços irrisórios. E ainda tinham de lidar com a histórica expropriação. Os pobres camponeses eram expulsos de suas pequenas terras em detrimento da formação dos grandes latifúndios.
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Ele era ainda uma criança quando estourou o “Março de 1961”, o início da luta pela independência marcado pela atuação violenta dos que sofriam explorações contra os que eram vistos como representantes do imperialismo... Mesmo sendo menino de pés descalços, não teve dúvida e participou dos ataques contra os colonos.
Ele conta que os pequenos seguiam para a luta carregando pedras em meio a adultos armados com catanas e alguns canhangulos (que eram espingardas artesanais, feitas pelos próprios angolanos em suas casas).
Em sua narrativa pessoal, o Chefe de Operações lembrou dos tempos em que os militantes incentivavam a luta apesar do pesado poder de fogo dos imperialistas. Como assimilar tantas perdas? As crianças sempre ouviam que os que haviam tombado em combate ressurgiriam após a libertação...
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Os rebeldes de sua região provocaram muitas perdas aos colonos, que tiveram as roças destruídas e também o dinheiro queimado. Todos entendiam que tinham o direito de massacrar os brancos que por tanto tempo haviam sido seus algozes.
A empolgação inicial logo se arrefeceu com o avanço do exército e a retomada das áreas que o movimento havia libertado.
Para o Chefe de Operações restou a retirada para o Congo e o ingresso no MPLA, onde aprendeu a ler e também a fazer uma guerra mais organizada. As ações do passado de massacre aos “brancos, mestiços, assimilados e umbundos” ficaram para trás e deixaram de ser motivo de orgulho... Com o Comissário Político pôde aprender que elas haviam sido uma “necessidade histórica”.
Sobre o Comissário tinha a dizer que, enfim, podia entender o quanto ele tinha razão... Apesar disso, não conseguia admitir o seu apoio ao Sem Medo, que era kikongo. A crítica do Chefe de Operações aos kikongos era porque, em sua opinião, foram eles que (desde o Congo) passaram a liderar o movimento sem a organização necessária.
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O Chefe de Operações entendia que os kikongos tinham a intenção de restaurar o antigo Reino do Congo. Mas eles não levavam em consideração que tanto os Dembos quanto Nambuangongo sempre tiveram sua autonomia.
A partir do que aprendera com os mais antigos dos Dembos, e também com a história do MPLA, passou a pensar que não era correta a reivindicação de restauração do “Reino do Congo”.
Em 1962 os imperialistas conseguiram vários avanços e foi então que os kikongos decidiram ingressar no MPLA.
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O Chefe de Operações voltou a se referir ao Sem Medo. Via que ele era um tipo diferenciado porque, além de ser kikongo, era natural de Luanda... Por ser intelectual, as relações entre eles podiam se complicar um pouco mais.
Em suas reflexões não podia deixar de pensar sobre a insônia do comandante naquela madrugada que antecedia o assalto à Base... No final das contas, como ele poderia dormir sabendo que a Base que ele havia construído estava dominada pelos inimigos? Aquele revés devia ser sentido de modo muito particular por ele... Uma derrota!
Como é que um intelectual podia suportar a perda de um filho? A gente da qual o Chefe de Operações fazia parte estava acostumada a várias perdas... Inclusive a morte de filhos e de outros parentes que pereceram durante os ataques a bombas.
A Base era como um filho do intelectual Sem Medo. E, ainda de acordo com o Chefe de Operações, ela havia sido criada à revelia dos interesses dos demais guerrilheiros, que certamente prefeririam retornar às suas origens, aos Dembos e a Nambuangongo, pois era onde havia a “guerra popular”.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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