O Chefe de Operações explica que desde cedo compreendeu a grande contradição que era a de levar uma vida de extrema pobreza em meio à riqueza gerada pela produção do café. O problema é que os grandes empresários exploravam os que trabalhavam duro nas roças... Tudo o que produziam era adquirido por preços irrisórios. E ainda tinham de lidar com a histórica expropriação. Os pobres camponeses eram expulsos de suas pequenas terras em detrimento da formação dos grandes latifúndios.
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Ele
era ainda uma criança quando estourou o “Março de 1961”, o início da luta pela
independência marcado pela atuação violenta dos que sofriam explorações contra
os que eram vistos como representantes do imperialismo... Mesmo sendo menino de
pés descalços, não teve dúvida e participou dos ataques contra os colonos.
Ele conta que os pequenos seguiam para a luta carregando
pedras em meio a adultos armados com catanas e alguns canhangulos (que eram
espingardas artesanais, feitas pelos próprios angolanos em suas casas).
Em sua narrativa pessoal, o Chefe de Operações lembrou
dos tempos em que os militantes incentivavam a luta apesar do pesado poder de
fogo dos imperialistas. Como assimilar tantas perdas? As crianças sempre ouviam
que os que haviam tombado em combate ressurgiriam após a libertação...
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Os
rebeldes de sua região provocaram muitas perdas aos colonos, que tiveram as
roças destruídas e também o dinheiro queimado. Todos entendiam que tinham o
direito de massacrar os brancos que por tanto tempo haviam sido seus algozes.
A empolgação inicial logo se arrefeceu com o avanço do
exército e a retomada das áreas que o movimento havia libertado.
Para
o Chefe de Operações restou a retirada para o Congo e o ingresso no MPLA, onde
aprendeu a ler e também a fazer uma guerra mais organizada. As ações do passado
de massacre aos “brancos, mestiços, assimilados e umbundos” ficaram para trás e
deixaram de ser motivo de orgulho... Com o Comissário Político pôde aprender
que elas haviam sido uma “necessidade histórica”.
Sobre
o Comissário tinha a dizer que, enfim, podia entender o quanto ele tinha
razão... Apesar disso, não conseguia admitir o seu apoio ao Sem Medo, que era
kikongo. A crítica do Chefe de Operações aos kikongos era porque, em sua
opinião, foram eles que (desde o Congo) passaram a liderar o movimento sem a
organização necessária.
(...)
O Chefe de Operações entendia que os kikongos tinham a
intenção de restaurar o antigo Reino do Congo. Mas eles não levavam em
consideração que tanto os Dembos quanto Nambuangongo sempre tiveram sua
autonomia.
A partir do que aprendera com os mais antigos dos Dembos, e
também com a história do MPLA, passou a pensar que não era correta a
reivindicação de restauração do “Reino do Congo”.
Em 1962 os imperialistas conseguiram vários avanços e foi
então que os kikongos decidiram ingressar no MPLA.
(...)
O
Chefe de Operações voltou a se referir ao Sem Medo. Via que ele era um tipo
diferenciado porque, além de ser kikongo, era natural de Luanda... Por ser
intelectual, as relações entre eles podiam se complicar um pouco mais.
Em suas reflexões não podia deixar de pensar sobre a
insônia do comandante naquela madrugada que antecedia o assalto à Base... No
final das contas, como ele poderia dormir sabendo que a Base que ele havia
construído estava dominada pelos inimigos? Aquele revés devia ser sentido de
modo muito particular por ele... Uma derrota!
Como
é que um intelectual podia suportar a perda de um filho? A gente da qual o Chefe
de Operações fazia parte estava acostumada a várias perdas... Inclusive a morte
de filhos e de outros parentes que pereceram durante os ataques a bombas.
A Base era como um filho do intelectual Sem Medo. E, ainda
de acordo com o Chefe de Operações, ela havia sido criada à revelia dos
interesses dos demais guerrilheiros, que certamente prefeririam retornar às
suas origens, aos Dembos e a Nambuangongo, pois era onde havia a “guerra
popular”.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto