Caminharam durante todo o dia. Não conseguiam avançar significativamente porque, além de abrirem a trilha, tinham de realizar manobras para se distanciarem do percurso que normalmente fariam... Por volta das seis da tarde chegaram à distância de quatrocentos metros da Base.
Sem Medo sentenciou que não podiam seguir mais adiante e que fariam o ataque de madrugada... Os camaradas se ajeitaram para dormir. Como saíram do depósito o mais rápido possível, sequer tiveram tempo de preparar comida. Fazia umas vinte e quatro horas que não se alimentavam. No entanto o comandante percebeu que ninguém reclamava...
A noite caía fria e nenhum dos homens possuía cobertas. Nenhum deles reclamou do frio... Talvez chovesse, mas todos pareciam preparados para os maiores desafios que a floresta oferecesse.
(...)
Mundo Novo se aproximou do comandante e puxou conversa
dizendo que o grupamento havia se apressado... Sem Medo comentou que era mesmo
o que tinham a fazer. O rapaz expressou sua surpresa pelo contingente
arregimentado. Sem Medo disse que também não esperava juntar tantos voluntários
e emendou que não podiam subestimar os militantes...
O
moço quis implicar com a inclusão do Vewê entre os que fizeram a longa marcha.
Disse que, desde o dia anterior, ele percorrera longas distâncias sem dormir ou
se alimentar. Sem Medo concordou e disse que o esforço de seu jovem parente distante
havia sido extraordinário. Todavia, salientou a coragem do rapaz e sua atitude
ao colocar-se sempre junto dele... Também, de sua parte, Sem Medo disse ainda
que em nenhum momento o atormentou com o que havia ocorrido anteriormente na
Base.
Mundo Novo respondeu que na ocasião Sem Medo havia
sido inflexível, então seria de se esperar que os dois não se entendessem... O comandante
o interrompeu garantindo que o entrevero ficara para trás e, além disso, tudo
indicava que o jovem havia aprendido a lição e se tornara capaz de cumprir o
dever nos momentos mais difíceis.
O
que Mundo Novo pretendia era incomodar Sem Medo com a discussão sobre o quanto
havia errado e sido injusto com Vewê. Logo que foi interpelado a este respeito,
Sem Medo o despachou.
(...)
Mundo
Novo viu que o comandante o dispensara... Pensou no Sem Medo... Que tipo de
homem era ele? Não poderia ser enquadrado num esquema específico... Via-se que
apreciava as aventuras e que não perdia a oportunidade de se engajar em uma.
Faltavam elementos para entendê-lo, e talvez por isso não conseguisse aceitá-lo
totalmente.
Voltou-se e disse que ainda conversariam com mais calma.
Disse também que não tinham a mesma linguagem e por isso precisariam se entender
melhor de algum modo. Sem Medo respondeu que já fazia algum tempo que não
acreditava nas palavras... Até poderiam voltar a se falar, mas no momento estavam
bem perto da Base e tinham uma tarefa complexa pela frente.
(...)
Sem Medo se aproximou do Chefe de Operações e lhe revelou
que pretendia chegar mais perto da Base. O outro observou que se tratava de
operação das mais temerárias, mas decidiu seguir com ele.
Tiraram as botas e caminharam com todo o cuidado, pois
havia o problema de pisarem em gravetos secos que podiam denunciar a
movimentação. Sem Medo sentiu falta de dar umas tragadas, mas evidentemente não
podiam fumar. Nem mesmo o amargo de uma folha que passou a mascar tirou-lhe a
vontade de um cigarro.
Depois de meia hora chegaram ao rio... Tinham vencido
apenas cem metros da tensa caminhada. O comandante sussurrou que deviam “subir
o rio”. O Chefe de Operações nada respondeu e colocou-se a caminho. Pelo menos
a margem era limpa... Percorreram mais uns duzentos metros, evitando as pedras
e analisando bem o solo antes de pisá-lo.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto