Mais meia hora havia se passado e os dois se deitaram não distante da elevação que ia dar na Base. De onde estavam puderam ouvir vozes abafadas... Permaneceram deitados bem próximos um do outro por uns quinze minutos. Isso serviu também para que descansassem dos percursos que fizeram.
Sem Medo fez sinal para a retirada. Do que puderam constatar, além da certeza de que havia movimentação na Base, não conseguiram identificar as vozes ou compreender o que se dizia.
(...)
Como fizeram o caminho de volta mais rapidamente, levaram
cerca de meia hora para se juntarem aos demais guerrilheiros. Novamente se
deitaram um ao lado do outro.
Mundo Novo e o chefe do depósito se aproximaram... O
rapaz quis saber sobre o que haviam apurado. Sem Medo fez um breve relato. O
Chefe de Operações disse que os inimigos deviam estar se preparando para o
contra-ataque. Acrescentou que normalmente o comportamento deles era bem mais
barulhento quando dominavam algum aparelho do movimento.
Mundo
Novo quis saber a que distância haviam chegado da Base e concordou que os
inimigos deviam estar à espera de ataque. Sem Medo salientou que desde onde
ficaram era praticamente impossível ver a Base ou a movimentação... Também não
viram qualquer sinal de iluminação. A falésia não favorecia a espionagem... O
chefe do depósito comentou que tinham de contar apenas com o que podiam ouvir.
Sem Medo deixou claro que despertariam os homens às
cinco da manhã... Fariam o mesmo caminho e, como eram muitos, talvez levariam
mais de uma hora para concluir o trajeto. O Chefe de Operações deu opinião
contrária, pois achava que o melhor seria partirem à luz do dia, e mais
rapidamente. Mundo Novo lembrou que a claridade do dia começava a partir das
seis, então concordou com a estratégia do comandante.
Sem
Medo ouviu com atenção e entendeu que o rapaz estava se encaixando no Comando
de modo natural... De sua parte, via com satisfação que tudo vinha se
resolvendo satisfatoriamente para o bom prosseguimento da luta.
(...)
Precisavam
dormir e por isso sugeriu que os camaradas fizessem isso. Mas ele mesmo não
conseguiu adormecer totalmente... Despertava constantemente sempre que
visualizava em pensamento a figura de Leli misturada à de Ondina e também ao João
Comissário.
Particularmente sobre o camarada Comissário Político, o atormentava
o fato de não ter certeza de seu paradeiro. Estaria morto ou feito prisioneiro?
Talvez tivesse escapado e se perdera na selva... Sem Medo se viu torcendo para
que a última hipótese fosse a carreta...
Depois ainda mais se angustiou ao querer entender como que
o Comissário e o Muatiânvua se enganaram e partiram para cima dos inimigos em
vez de escaparem para a montanha como fez o Vewê.
Esse seu tormento durou todo o tempo... Sem conseguir uma
conclusão satisfatória, sofreu calafrios até que o rosto de Leli o
despertava... Depois era o de Ondina a trazer-lhe um pouco de paz... Com ela
vinha o João.
Assim
sua angústia só aumentou conforme a madrugada avançou.
(...)
Na sequência conhecemos uma narrativa pessoal do Chefe de
Operações...
Também
ele ficou sem dormir. Os registros dão conta de que ele percebeu que o Sem
Medo, que estava bem ao seu lado, não conseguia dormir. Apesar da proximidade,
não podiam falar um com o outro.
O Chefe de Operações deixou claro que não era apenas por
causa dos perigos que cercavam a ação... Na verdade, ele levava em consideração
a diferença que havia entre ambos... Sem Medo era um intelectual. E ele vinha
de uma família de camponeses dos Dembos, onde todos eram miseráveis.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto