sexta-feira, 12 de abril de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – Sem Medo trata com o Comissário sobre a conversa que tivera com Ondina; discórdia, sentimento de traição, desabafo e bofetada; relações cortadas?; rumo à mesa do bar

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/03/mayombe-de-pepetela-por-suas.html antes de ler esta postagem:

Sem Medo dirigiu-se ao escritório para encarar o Comissário... Não tinha a menor ideia de como dizer-lhe a respeito da decisão de Ondina. O pior é que o homem foi logo querendo saber de tudo assim que o viu. Por fim, não teve alternativa a não ser dizer-lhe a verdade.
Disse que nada podia ser feito porque Ondina tinha suas razões. O jeito era aceitar e no final das contas ele ainda veria que o melhor a se fazer era aceitar. Disse também que teve vontade de falar-lhe o mesmo no dia anterior, mas não considerou que o camarada estivesse preparado.
O problema é que aceitar a recusa parecia não ser opção do Comissário. Começou a chorar como criança e Sem Medo resolveu fechar a porta para que não o vissem naquele estado. Depois de algum tempo deixou de soluçar, levantou a cabeça e sentenciou que o comandante não havia se esforçado muito para convencê-la, já que a conversa não durara muito. Sem Medo ouviu o disparate e ficou a pensar sobre qual verdade teria de insistir para que a mulher se convencesse. Então respondeu que não havia mesmo feito nada para dissuadi-la... Ela tinha as razões dela e ele achava que ela estava certa.
Sem Medo pensou sem pronunciar que o camarada compreenderia as coisas conforme o tempo passasse. No momento era inviável qualquer envolvimento com a Ondina... O melhor que tinha a fazer era se libertar do sentimento que o aprisionava.
O Comissário esbravejou que Sem Medo estava dando razão para Ondina e que estava claro que não havia lhe dito nada. Este pensou que talvez tivesse reforçado a ideia dela, mas não tinha refletido sobre isso e nem sabia se este era caso para se pensar, então disse que ela já tinha sua sentença a respeito do relacionamento.
Indignado, o Comissário quis saber mais uma vez se o camarada comandante não tentara convencê-la do contrário. Sem Medo respondeu que não e o outro perguntou se, então, ele lhe dissera que estava fazendo bem ao insistir na separação. O homem estava tremendo e via-se que o nervosismo o tomara por inteiro... De súbito, se levantou.
(...)
Gritou que Sem Medo o havia traído. O comandante o indagou querendo saber se ele estava querendo permanecer com a Ondina a qualquer custo ou se queria uma união mais séria. O Comissário respondeu que a queria sem se importar de que modo ou com qualquer consequência.
Neste ponto, Sem Medo disse que o camarada estava se revelando um tipo frágil e desmerecedor de confiança. Argumentou que sinceramente não pensava que aquilo fosse o melhor para ele e que, se não se importava com uma relação madura e estável para o futuro, nem devia ter lhe pedido para falar com ela.
Então o Comissário vociferou que Sem Medo era ciumento e que bem podia se tratar de um homossexual. Só podia ser! Talvez desejasse que ele vivesse solitariamente como era o seu próprio caso. E para quê? Dessa forma o teria para si, como pupilo protegido! Estava claro que em nenhum momento se importara com sua situação e nem mesmo pretendia conversar com a Ondina. Sequer quisera dar-lhe conselhos! O fracasso de sua relação com Ondina era como que uma vitória sua! Era muito egoísmo! E o pior é que o caso atingira aquele estremo em que todos o viam como o corno esfarrapado.
Sem medo ouviu o desabafo do Comissário até dar-lhe um tapa que o fez chocar-se contra a parede. Enquanto esfregava os olhos, o tipo alertou-o de que devia tomar cuidado com suas ações... Deixou claro que não partiria para a briga de socos, mas, se este fosse o desejo do comandante, ele estava pronto. Tinha a dizer que o desprezava e que não estava de modo algum liquidado. Salientou que não se devia pensar que não partia para a luta porque tinha medo, mas também não se importava com isso porque muito se enganara ao seu respeito e podia continuar se equivocando se assim o desejasse.
O Comissário disparou que jamais se tornaria um tipo solitário como o comandante. Definitivamente a garrafa e o copo das mesas de bares não seriam suas companhias. Se não viveria com Ondina, podia muito bem encontrar outra qualquer... Se despediu como que para sempre e deixou claro que a bofetada que tinha tomado seria paga com seus sucessos que certamente lhe chegariam ao conhecimento.
(...)
O Comissário saiu bufando e bateu a porta do escritório político. Sem Medo pensou apenas que o tipo não passava de um imbecil. Acendeu um cigarro e sentou-se diante da escrivaninha...
Terminou o cigarro em silêncio... Depois atirou os papéis para tudo quanto foi lado. Levantou-se e deu uns passos enquanto só conseguia pensar que o Comissário não passava mesmo de um pequeno imbecil.
Por fim saiu do escritório e dirigiu-se para o bar.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas