Teodorico não tentou reaproximar-se da tia Patrocínio... Sabia que ela o renegara e que não mais teria a sua estima.
Ele adotou a rotina de comparecer à Igreja de Santana. Vestia-se de negro e mantinha-se ensimesmado. Notou que a velha não mais frequentava as missas que reuniam a sociedade local... Concluiu que o padre Negrão a visitava constantemente e celebrava no oratório do casarão.
O rapaz não abandonou o hábito de encenar... Fazia questão de ser notado aos suspiros e com os olhos melancólicos voltados para o sacrário... Tinha certeza de que alguém (provavelmente o sacristão Melchior) contaria à Dona Patrocínio a respeito de sua devoção ainda mais radical e contrita.
Por estratégia, decidiu também não se aproximar dos amigos da velha, pois sabia que eles jamais a contrariariam... Certamente esperavam ser contemplados em seu testamento, e ele mesmo não pretendia trazer-lhes embaraços.
Eventualmente passava pelo padre Pinheiro ou pelo doutor Margaride... Nessas ocasiões baixava os olhos e escondia as mãos cruzadas dentro das mangas. Ao que tudo indica, os amigos de Dona Patrocínio aprovavam aquela postura de arrependimento... Tanto é que certa noite, na deserta rua da Benta Bexigosa, topou com o Justino, que fez questão de lhe aconselhar a manter o procedimento, pois tudo se arranjaria. O tabelião deixou claro que o momento não lhe era favorável porque a velha ainda manifestava rancor ao que ele havia lhe feito.
Assim que o Justino percebeu movimentação na rua saiu às carreiras para não ser visto com o renegado.
(...)
Uma simples questão
de Economia Política ocorreu ao Teodorico...
É claro que estava
conseguindo se manter com as vendas ao Senhor Lino... Todavia sabia que
ganharia muito mais se tirasse o “atravessador” do negócio... Quer dizer que
ele mesmo poderia negociar diretamente com os compradores.
Sua primeira
providência foi escrever cartas às beatas do Senhor dos Passos da graça. Listou
relíquias e preços. Escreveu também às igrejas mais afastadas, oferecendo-lhes
“ossos de mártires”.
E fez mais!
Aproximou-se dos sacristãos e convenceu-os a dizer às mulheres mais devotas que
podiam adquirir objetos cheios de santidade com o “senhor Doutor Raposo”. Os
tipos eram recompensados com doses de aguardente e não se importavam em fazer a
propaganda às beatas... Em pouco tempo espalhou-se entre elas a notícia de que
o moço acabara de retornar da Terra Santa.
As vendas aumentaram... E os lucros também...
(...)
Sua especialidade passou a ser a água do rio Jordão... Entregava frascos
em zinco, lacrados e com um rótulo com uma estampa de “coração em chamas”... Um
carimbo conferia a credibilidade ao produto.
As vendas cresceram muito! Havia quem quisesse
da água para batizados e banhos... E tanto vendeu do produto que tornou-se
necessário produzi-lo desde a torneira de seu quarto no Pomba de Ouro!
Teodorico notou que
tinha tino para os negócios... Assim, lançou no comércio "o pedacinho da
bilha com que Nossa Senhora ia à fonte"... Chegou a vender uma ferradura
que garantiu ter pertencido ao burrinho que conduzira a Sagrada Família ao
Egito!
(...)
Mas
e o Senhor Lino? Ele continuou visitando o quarto do Raposo, mas este não
permitia que entrasse para que seus ramos de “palhinhas do presépio” e as
tabuinhas aplainadas por São José fossem vistas... Na porta mesmo já o
dispensava dizendo que a mercadoria se esgotara
e, sendo assim, era melhor que retornasse na próxima semana, quando um novo
caixote chegaria da Terra Santa. Então o homem enchia-se de indignação e se
retirava desconfiado de que havia sido passado para trás.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto