Sabia-se que fora trazido há um bom tempo de outras paragens, talvez “de Passa-Tempo, Conceição do Serro” ou de outro remoto sítio daqueles sertões de Minas Gerais.
(...)
O nome Sete-de-Ouros lhe fora dado por um tipo chegado aos jogos de
cartas... Mas sabia-se que o burrinho vinha de ser chamado por muitas outras alcunhas...
No passado havia sido chamado de Brinquinho (porque era o brinquedo das
crianças), Rolete (porque cresceu e engordou), Chico-Chato (na verdade esse era
o apelido de seu sétimo dono que, por ocasião da venda do burrinho, se esqueceu
de ensinar ao comprador como ele devia ser chamado)... Mais tarde, depois de
outra negociação, o pedrês passou a ser chamado de Capricho. Seu novo dono não considerava
Chico-Chato um nome adequado para o gracioso animal.
(...)
Ainda a respeito do
Sete-de-Ouros dizia-se que havia sido muito bom e que nenhum outro burrinho
podia jamais se igualar a ele. Como vimos, nos tempos de sua juventude fora
negociado diversas vezes e de diversas formas (“comprado, dado, trocado e
revendido, vezes, por bons e maus preços”).
Todavia o passar dos anos e o muito que trabalhou o
tornaram velho e esgotado... Seus olhos cansados apresentavam-se sempre
remelentos e suas pálpebras caídas davam-lhe um aspecto de “constante
semi-sono”. Parado em seu canto, vivia a abanar a cauda para espantar as
irritantes moscas.
Muitos conheciam causos do Sete-de-Ouros... Contavam que certa vez ele
carregava certo tropeiro de Indaiá que levou um tiro nas costas e morreu ainda
na montaria... Muito se falava também da ocasião em que o burrico apareceu com
uma jararacuçu pendurado em seu focinho... Ele chegou com a enorme cobra de
couro escuro e amarelado pendendo como se fosse uma tromba. Algo curioso... Sem
dúvida! O pessoal da fazenda entendeu que ele só não morreu porque “a lua era
boa” e também porque certo peão que tinha fama de benzedor o acudiu a tempo.
(...)
O pedrês trazia uma marca feita a ferro em seu “quarto esquerdo dianteiro”... Aquilo foi obra de
ciganos que o roubaram da Tampa (este era o nome da fazenda do Major Saulo)... A
marca em forma de coração estava quase totalmente desaparecida. Foi o que ficou
do episódio marcado pela sova e prisão dos larápios.
Esse episódio do roubo do pedrês passou a ser lembrado como o último
causo digno de prosa dos peões da fazenda...
(...)
A Tampa era enorme! Contava três mil alqueires de pastos...
O Major Saulo era o seu proprietário... Sempre de botas e esporas, o
homem carregava os traços dos que passam a vida a lidar com o gado. A seu
respeito pode se dizer que se tratava de um tipo “corpulento, quase um obeso, de olhos verdes, misterioso, que só com o
olhar mandava um boi bravo se ir de castigo”.
Os que conviviam mais diretamente com o Major sabiam de seu humor a
partir de seu riso... O homem sempre ria! Quando estava irritado seu riso saía
grosso... Se estava alegre, o riso era fino... Se não estava nem nervoso nem
alegre, seu riso era “mudo”.
(...)
Neste ponto da narrativa, Guimarães Rosa ressalta que o “resumo de um só
dia” dá conta da história do burrinho e do “grande homem”.
Não havendo muito mais o
que se destacar a respeito do passado de ambos, o autor passa a tratar dos
episódios que se sucederam entre “seis da manhã à meia-noite”, num “mês de janeiro
de um ano de grandes chuvas, no vale do Rio das Velhas, no centro de Minas
Gerais”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/03/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_30.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto