O Senhor Lino quis saber das lojas de Jerusalém... No início, Teodorico não entendeu a que tipo de lojas o outro se referia, mas ele logo explicou que queria saber das “lojas de santidade”, as que vendem relíquias e “coisinhas divinas”.
O sobrinho da Dona Teodora respondeu que havia uma muito conhecida na Via-Dolorosa, que todos visitavam, a “Damiani”, onde era possível comprar de tudo, até mesmo ossos de cristãos martirizados.
Todavia rapaz explicou que quando o assunto eram as lembrancinhas da Terra Santa, o melhor que cada interessado tinha a fazer era pesquisar... Disse que ele mesmo havia trazido peças maravilhosas.
No mesmo instante, o homem arregalou os olhos revelando especial interesse. Chamou o André, o tipo que servia no restaurante, e pediu a “pinguinha do Porto”.
Assim que a garrafa foi colocada à mesa, o funcionário da Câmara Patriarcal encheu dois cálices e brindou.
(...)
Teodorico
quis mostrar as fotografias que havia trazido de Jerusalém ao Senhor Lino...
Por isso convidou-o ao seu quarto. O homem aceitou com gosto e logo que passou
pela porta dirigiu-se à cama, onde estavam dispostas várias relíquias que
tinham sido desencaixotadas pela manhã.
Enquanto desenrolava
uma estampa de uma vista do Monte das Oliveiras, Teodorico perguntou se o
Senhor Lino apreciava as relíquias... Pensou mesmo em lhe dar um dos rosários
que trouxera.
O tipo nada
respondeu... Revirou os objetos e deu especial atenção a um frasquinho com a
água do Rio Jordão. Agitou o vidrinho e perguntou se o romeiro possuía um
atestado de autenticidade. No mesmo instante, Teodorico mostrou-lhe a certidão
que recebera de um frade franciscano... O homem viu que era mesmo autêntica “e
sem mistura”...
O tipo ficou
encantado com o papel... Então disse que oferecia “quinze tostões” pelo frasco.
A primeira coisa que Teodorico pensou foi sobre a potencialidade daqueles
objetos como mercadorias que poderiam lhe render um bom dinheiro... As
relíquias (“medalhas, bentinhos, águas, lascas, pedrinhas, palhas”...) “eram
valores”! Achou interessante a ideia de oferecer “um caco de barro” em troca de
“uma rodela de ouro”.
(...)
Ele ainda pensava
sobre essas oportunidades não exploradas quando posicionou as mãos sobre a mesa,
como se fosse num balcão de negócios... Sorriu e desdenhou a oferta do outro...
Apenas quinze tostões pela “água pura do Jordão”? Mas será que o Senhor Lino
não tinha São João Batista em boa consideração?
Teodorico fez sua propaganda e deixou claro que aquela água não podia
ser coletada como as de que se serviam os lisboenses... Emendou que recusara
três mil-réis que certo padre de Santa Justa lhe havia oferecido naquela mesma
manhã.
O Senhor Lino convenceu-se de que o rapaz tinha razão... Então disse que
pagaria quatro mil-réis pelo frasco, e sustentou que sua proposta devia ser
considerada ao menos pelo fato de serem hóspedes na mesma espelunca.
O negócio foi fechado... O homem retirou-se do
quarto com o frasquinho embrulhado numa folha da “Nação”. De sua parte,
Teodorico avaliou que podia se estabelecer como “vendilhão de relíquias”... Dessa
forma sobreviveria.
(...)
E foi isso o que
ocorreu...
Por dois meses pôde fumar, curtir mulheres da vida e pagar suas despesas
no Pomba de Ouro.
O Senhor Lino tornou-se
seu cliente de toda manhã... Ele aparecia no quarto e escolhia “um caco do
cântaro da Virgem ou uma palhinha do presépio, empacotava na Nação, largava a
pecúnia e abalava assobiando o De Profundis”...
Alguns
dias se passaram e o homem passou a ostentar uma brilhante corrente de ouro...
Teodorico entendeu que os objetos que trouxera de Jerusalém estavam sendo
revendidos por um bom preço.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto