quinta-feira, 1 de março de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – do reconhecimento acerca das possibilidades de sobreviver negociando os objetos trazidos de Jerusalém

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/02/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_86.html antes de ler esta postagem:

O Senhor Lino quis saber das lojas de Jerusalém... No início, Teodorico não entendeu a que tipo de lojas o outro se referia, mas ele logo explicou que queria saber das “lojas de santidade”, as que vendem relíquias e “coisinhas divinas”.
O sobrinho da Dona Teodora respondeu que havia uma muito conhecida na Via-Dolorosa, que todos visitavam, a “Damiani”, onde era possível comprar de tudo, até mesmo ossos de cristãos martirizados.
Todavia rapaz explicou que quando o assunto eram as lembrancinhas da Terra Santa, o melhor que cada interessado tinha a fazer era pesquisar... Disse que ele mesmo havia trazido peças maravilhosas.
No mesmo instante, o homem arregalou os olhos revelando especial interesse. Chamou o André, o tipo que servia no restaurante, e pediu a “pinguinha do Porto”.
Assim que a garrafa foi colocada à mesa, o funcionário da Câmara Patriarcal encheu dois cálices e brindou.
(...)
Teodorico quis mostrar as fotografias que havia trazido de Jerusalém ao Senhor Lino... Por isso convidou-o ao seu quarto. O homem aceitou com gosto e logo que passou pela porta dirigiu-se à cama, onde estavam dispostas várias relíquias que tinham sido desencaixotadas pela manhã.
Enquanto desenrolava uma estampa de uma vista do Monte das Oliveiras, Teodorico perguntou se o Senhor Lino apreciava as relíquias... Pensou mesmo em lhe dar um dos rosários que trouxera.
O tipo nada respondeu... Revirou os objetos e deu especial atenção a um frasquinho com a água do Rio Jordão. Agitou o vidrinho e perguntou se o romeiro possuía um atestado de autenticidade. No mesmo instante, Teodorico mostrou-lhe a certidão que recebera de um frade franciscano... O homem viu que era mesmo autêntica “e sem mistura”...
O tipo ficou encantado com o papel... Então disse que oferecia “quinze tostões” pelo frasco. A primeira coisa que Teodorico pensou foi sobre a potencialidade daqueles objetos como mercadorias que poderiam lhe render um bom dinheiro... As relíquias (“medalhas, bentinhos, águas, lascas, pedrinhas, palhas”...) “eram valores”! Achou interessante a ideia de oferecer “um caco de barro” em troca de “uma rodela de ouro”.
(...)
Ele ainda pensava sobre essas oportunidades não exploradas quando posicionou as mãos sobre a mesa, como se fosse num balcão de negócios... Sorriu e desdenhou a oferta do outro... Apenas quinze tostões pela “água pura do Jordão”? Mas será que o Senhor Lino não tinha São João Batista em boa consideração?
Teodorico fez sua propaganda e deixou claro que aquela água não podia ser coletada como as de que se serviam os lisboenses... Emendou que recusara três mil-réis que certo padre de Santa Justa lhe havia oferecido naquela mesma manhã.
O Senhor Lino convenceu-se de que o rapaz tinha razão... Então disse que pagaria quatro mil-réis pelo frasco, e sustentou que sua proposta devia ser considerada ao menos pelo fato de serem hóspedes na mesma espelunca.
O negócio foi fechado... O homem retirou-se do quarto com o frasquinho embrulhado numa folha da “Nação”. De sua parte, Teodorico avaliou que podia se estabelecer como “vendilhão de relíquias”... Dessa forma sobreviveria.
(...)
E foi isso o que ocorreu...
Por dois meses pôde fumar, curtir mulheres da vida e pagar suas despesas no Pomba de Ouro.
O Senhor Lino tornou-se seu cliente de toda manhã... Ele aparecia no quarto e escolhia “um caco do cântaro da Virgem ou uma palhinha do presépio, empacotava na Nação, largava a pecúnia e abalava assobiando o De Profundis”...
Alguns dias se passaram e o homem passou a ostentar uma brilhante corrente de ouro... Teodorico entendeu que os objetos que trouxera de Jerusalém estavam sendo revendidos por um bom preço.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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