sábado, 31 de março de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – mais sobre os agitados currais abarrotados de gado; relâmpagos ao longe; Sete-de-Ouros não tem sossego; montarias dos peões Benevides, Zé Grande e Silvino

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/03/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_30.html antes de ler esta postagem:

A movimentação nos currais prosseguiu...
Ao ouvir mugido específico, um dos garrotes (bezerro ainda novo) resolveu avançar na direção de onde vinha o chamado... Uma fileira inteira de animais se movimentou por conta do capricho do pequeno animal, que pretendia juntar-se a outro que jamais tinha visto, mas que lhe transmitia segurança.
Enquanto isso, outros sons se faziam ouvir no meio das manadas... O característico gemido do caracu-pelixado (espécie ibérica introduzida no Brasil desde os tempos coloniais), iniciado “por um eme e prolongando-se em rangidos de porteira velha” era respondido por outros bois mais afastados e cercados por manada que parecia não ter fim.
(...)
Tumultos não eram novidade... Os currais sempre abrigavam animais menos domesticados. Esse era o caso de um pantaneiro que havia nascido há cerca de três anos “na campina sem cerca” e que, por dois anos e meio, vivera no mato sem ver gente... Diferentemente dos demais, ele sequer era marcado a ferro. Talvez por isso se sentisse desconfortável em meio ao aperto... Provocou correria ao atacar os outros, inclusive um touro sertanejo que teve de sair da roda de confusão que o outro armava.
O citado “sertanejo” parecia saber que devia se afastar das confusões... Experiente, colocou “o peso do corpo na frente” e seguiu abrindo caminho em meio aos demais. É claro que esse movimento provocava outros... Um “boieco china” se espantou e tratou de subir na garupa de um “franqueiro”. Este, por sua vez, correu o quanto pôde para se meter no meio da massa...
Noutro ponto, um “boi sanga sapiranga”, exemplar de grande corcova, se irritou com as chifradas que o atingiam e desferiu golpes de solavancos com a própria anca nos que o cercavam. E foi como o “efeito dominó”, pois uns passaram a golpear aos outros.
(...)
Então a agitação tomava conta de toda a área do curral conflagrado... Para retratar o evento, Guimarães Rosa destaca que em meio à boiada:

         “empinam-se os cangotes, retesam-se os fios dos lombos em sela, espremem-se os quartos musculosos, mocotós derrapam na lama, dançam no ar os perigalhos, o barro espirra, engavetam-se os magotes, se escoram, escouceiam. Acolá, nas cercas, - dando de encontro às réguas de landi, às vigas de guarantã e aos esteios de aroeira - carnes quadradas estrondam”.

Em meio à confusão, ouvia-se o choque entre os chifres de todo tipo:

         “longos, curtos, rombos, achatados, pontudos como estiletes, arqueados, pendentes, pandos, com uma duas três curvaturas, formando ângulos de todos os graus com os eixos das frontes, mesmo retorcidos para trás que nem chavelhos, mesmo espetados para diante como presas de elefante”...

Os formatos dessas “armas naturais” eram os mais diversos e lembravam, nos dizeres do autor, a “meia-lua”, os “esgalhos de cacto”, “barras de cruz”, os “braços de âncora”, “candelabros”, “forquilhas de pau morto”, o esqueleto dos caranguejos, os chifres do satanás, as “liras sem cordas”...
O mais eram estralados dos golpes... O barulho lembrava o mesmo dos finais das queimadas, “quando há moitas de taboca fina fazendo ilhas no capinzal”...
(...)
De repente os confrontos e o tumulto generalizado arrefeceram.
O corisco (raio, relâmpago) alumiou o céu ao longe... Todo o gado parecia saber que logo o estrondo chegaria aos seus ouvidos.
Então, ainda agitados, retomaram a movimentação marcada pelos deslocamentos em espiral...

(...)

De longe o burrinho Sete-de-Ouros assistiu o tumulto bovino e suas violências... Logo se cansou e voltou ao seu sossego ensimesmado. Baixou a cabeça e adormeceu... Quem o visse arriscaria a dizer que estava mergulhado em seu “sonho de burro”.
Mas logo o conforto de sua calmaria findou... O grande cavalo preto do peão Benevides se desprendeu da estaca onde estava amarrado e foi direto para a coxia do Sete-de-Ouros.
(...)
Vê-se que o animal está arreado e que seus arreios e cela o tornam ainda mais imponente... Sem a menor dificuldade, desalojou o pobre burrico.
Mas essa não foi a única agressão, pois a montaria de Zé Grande também apareceu para golpear o pequeno tabique onde Sete-de Ouros se acomodava...
E como que a finalizar a agressão que parecia planejada, o cavalo de pelo amarelado de Silvino empinou e soltou relinchos escandalosos.
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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