sexta-feira, 9 de março de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – uma visão espetacular e as verdades que Teodorico fingia não conhecer

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/03/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_8.html antes de ler esta postagem:

Teodorico sentiu-se arrasado pela confirmação de sua ruína desde que o testamento de Dona Patrocínio foi revelado.
No quarto da pensão da Travessa da Palha fez o seu desabafo e dirigiu-se diretamente à litogravura do Cristo Crucificado.
(...)
De repente a moldura passou a emitir um clarão dourado... O vidro que protegia a figura se abriu tal como porta... O rapaz apavorou-se ao ver o Cristo retirar-se dos limites do quadro... Ainda preso ao madeiro da cruz, Ele encheu-se de beleza e majestade, e deslizou em sua direção, assumindo estatura que atingia o teto do aposento.
Teodorico soltou um grito e caiu de joelhos... Teve a sensação de que uma leve brisa passava pelo quarto e logo ouviu “uma voz repousada e suave”. Era o Cristo (pelo menos foi assim que ele entendeu) que se dirigia diretamente a ele com considerações a respeito de suas palavras desesperadas.
(...)
Em síntese, O Raposo ouviu que as vezes que ele beijara os pés das imagens foram com a intenção de demonstrar à tia Patrocínio a sua “falsa piedade”. Seus lábios jamais pronunciaram sincera oração e nem seu olhar expressara qualquer humildade. Todos os seus gestos foram somente para convencer e agradar a beata Dona Patrocínio.
A quem Teodorico queria enganar? A espetacular visão deixou claro que suas prostrações reverenciavam o “deus dinheiro” deixado pelo comendador Godinho... Seu céu não era outro senão o testamento da tia milionária. Por isso se fingira de devoto mesmo se tratando de um tipo sem crenças; de casto, sendo o mais devasso das criaturas; de caridoso, quando na verdade não passava de mesquinho.
A todos dava a entender que se tornara um filho afetuoso, mas ele bem sabia que não passava de um interesseiro ardiloso e capaz de qualquer coisa para obter a herança. Hipócrita! Era isso o que Teodorico era!
Foi isso o que a visão lhe sentenciou.
(...)
E ele nem podia objetar... De fato, levava “duas existências”... Diante da tia, mostrava-se um beato que jejuava e não deixava de comparecer às novenas e rezas do rosário. Longe dela era um guloso e frequentador da casa “da Adélia e da Benta”.
Uma vida de mentiras... Só tinha compromisso com a verdade quando se dirigia ao céu (e ao mundo) para pedir “a Jesus e à Virgem que rebentassem depressa” a velha Patrocínio.
E o que era o galho espinhento que embrulhara? Uma coisa tão falsa quanto o coração que batia em seu peito... E pensar que era com aquilo que esperava obter o dinheiro e as propriedades da tia! O outro embrulho escondia “rendas e laços” que evidenciavam seu fingimento. Com justiça, o embrulho que Dona Patrocínio abriu revelou a perversidade do sobrinho... Sua hipocrisia foi inútil!
(...)
Aquelas verdades arrasaram o valente Raposo que, caído sobre as tábuas, chorou copiosamente.
De modo bastante convincente, a voz pronunciou que não sabia quem havia feito a troca dos embrulhos... Algo terrível e burlesco...
Pode ser que ninguém ou mesmo o próprio Teodorico tivesse mudado os embrulhos!
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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