sexta-feira, 30 de março de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – amanhecer do dia quente e úmido; preguiçoso despertar de Sete-de-Ouros; os agitados currais abarrotados de gado das mais variadas espécies e origens

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/03/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de.html antes de ler esta postagem:

“E a existência de Sete-de Ouros cresceu toda em algumas horas – seis da manhã à meia-noite – nos meados do mês de janeiro de um ano de grandes chuvas, no vale do Rio das Velhas, no centro de Minas Gerais”.
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Ao amanhecer daquele dia, vemos Sete-de-Ouros ainda sonolento e paralisado diante do cocho completamente desabastecido. De vez em quando sua cabeça balançava, então soltava uma baforada que levantava pó de farelo... Mecanicamente dilatava as narinas e “projetava o beiço de cima, como um focinho de anta, e depois o de baixo”.
A testa do burrinho era marcada por uma cavidade desde a altura dos olhos... Essa marca de sua ossatura causava a impressão de que ele carregava um par de óculos e conferia-lhe um aspecto ainda mais envelhecido.
Se o viam envelhecido, não podiam deixar de considerar que ainda era bem esperto. Ninguém o via a pastar pelas bordas dos capões onde cresce o cafezinho e várias plantas venenosas... Locais como aquele eram infestados das moscas do berne (lucília verde, varejeira rajada e outra de “barriga azul”).
Sete-de-Ouros era bem tratado... Sua crina era bem aparada, limpa e sem carrapatos ou carrapichos. A sela evidenciava que ainda era utilizado como montaria, portanto não estava definitivamente “aposentado”. Tanto é que seria utilizado no serviço do dia. O tropeiro João Manico havia recebido ordem de montá-lo...
(...)
O dia amanhecera com nuvens carregadas... Nada de sol, mas o calor e a umidade eram intensos. A neblina cobria o alto da serra e certamente o tempo estava bem pior pelos lados da nascente.
Alheio a tudo, Sete-de-Ouros riscava o chão com seu casco desprovido de ferradura... Eventualmente abria os olhos e os voltava para a direção dos vários currais, onde o movimento já era intenso e violento... Os cercados em frente ao casarão estavam abarrotados de bois.
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Na sequência, o autor descreve a movimentação dos currais, o variado gado, espécies, suas origens e características... Destaca o comportamento da boiada, sobretudo dos exemplares mais agitados.
O fragmento original é espetacular. Sem dúvida trata-se de uma das referências mais importantes da literatura brasileira.

(...)
As espécies locais, “mestiços de todas as meia-raças plebeias dos campos-gerais”, comprimiam-se nos cercados... Os exemplares eram provenientes das bandas do rio Urucuia, do rio Verde, “das reservas baianas, das pradarias de Goiás, das estepes do Jequitinhonha, dos pastos soltos do sertão sem fim”.
A variedade de cores era simplesmente espantosa... Mas não para os peões acostumados com o manejo e transporte dos rebanhos. Certamente aquela abundância não escaparia à admiração dos forasteiros.
Guimarães Rosa diz que a pelagem dos animais era das “cores mais achadas e impossíveis”... E acrescenta que havia “pretos, fuscos (sem brilho na pelagem), retintos, gateados, baios (de cor castanha), vermelhos, rosilhos, barrosos (da cor do barro; mistura de café com leite), alaranjados; castanhos tirando a rubros, pitangas com longes pretos; betados (acastanhados com extremidades escuras), listados, versicolores (de muitas cores); turinos, marchetados com polinésias bizarras; tartarugas variegados; araçás estranhos, com estrias concêntricas no pelame - curvas e zebruras pardo-sujas em fundo verdacento, como cortes de ágata acebolada, grandes nós de madeira lavrada, ou faces talhadas em granito impuro”.
Agrupados, movimentavam-se como as correntes dos mares, iam e voltavam pelos terreiros “rodando remoinhos”... Babavam e agitavam as caudas sem cessar. Na agitação formavam uma grande massa. Tinha-se a impressão que cada um buscava chegar-se aos seus semelhantes.
Esse era o caso do “crioulo barbeludo” que, no meio da movimentação, permanecia estático, ruminando e voltando o olhar saliente para as alturas. Já o berro rouco que se ouvia só podia ser do gyr, que andava ao mesmo tempo em que se balançava todo... Talvez chamasse a vaca ou o seu “primo guzerate” de antepassados indianos do “Coromandel ou Travancor”...
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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