domingo, 4 de março de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – reencontrando o Rinchão; uma boa encomenda e a mudança para a Travessa da Palha; a morte de Dona Patrocínio; o óculo do comendador Godinho por herança; detalhando o testamento

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/03/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_3.html antes de ler esta postagem:

Depois de ter ouvido poucas e boas do Senhor Lino, Teodorico passou pela casa de Benta Bexigosa em busca de aventura com as raparigas... No prostíbulo também estava o Rinchão, seu velho conhecido dos tempos de estudos em Coimbra.
Os dois trocaram algumas ideias. Silvério (este era o nome do Rinchão) encomendou algumas relíquias... O Raposo ficou sabendo que ele estava em vésperas de se casar com a filha da Senhora Nogueira, que era muito rica e dona de considerável vara de porcos na cidade de Beja.
O Rinchão pretendia agradar a sogra carola com objetos que só Teodorico podia providenciar... Esperava obter “coisas do Santo Sepulcro”.
O Raposo caprichou e projetou um belo “cofre de relíquias”... Garantiu que um dos pregos era da cruz de Cristo (ele mesmo sabia que se tratava do “septuagésimo sexto”) e enfeitou a peça com ”flores secas da Galileia”.
(...)
A venda ao Rinchão foi providencial... Graças ao negócio que fecharam, Teodorico pôde quitar suas dívidas no hotel. Depois decidiu se transferir para um quartinho na “casa de hóspedes” de certo Senhor Pita.
Seu endereço, então, passou a ser a “Travessa da Palha”. Ele mesmo não tinha como esconder que sua situação se tornara ainda mais precária... O aposento localizado no quinto andar possuía uma caminha de ferro e uma velha poltrona de forro esgarçado e mal cheiroso.
Havia também uma cômoda sobre a qual ele colocara uma moldura que evidenciava uma “litografia de Cristo crucificado”... A imagem trazia umas nuvens escuras abaixo dos pés de Nosso Senhor... Seus olhos claros e escancarados pareciam perseguir o rapaz em todos os seus movimentos.
(...)
Fazia uma semana que Teodorico estava instalado na casa de hóspedes do Pita... Perambulava pela cidade em busca de alternativa para seguir sobrevivendo, quando topou com o André, criado do Pomba de Ouro... O rapaz entregou-lhe uma carta que havia chegado ao hotel no dia anterior.
O envelope não deixava dúvidas... A carta era mesmo endereçada a ele e trazia a marca de urgência... O papel exibia uma tarja preta e também o sinete cravado como lacre era escuro.
Logo que abriu a correspondência, Teodorico reconheceu a assinatura do tabelião Justino... O documento repleto de formalidades noticiava que a “respeitável tia” havia sucumbido.
De modo apressado, percorreu as linhas para saber dos detalhes... Ela teve “congestão dos pulmões”, recebera os sacramentos e os amigos choraram muito a morte da amada senhora... Um trecho citava “o nosso Negrão”... E mais adiante: "do testamento da virtuosa senhora, consta que deixa a seu sobrinho Teodorico o óculo que se acha pendurado na sala de jantar”...
(...)
A mensagem era clara... Definitivamente era um deserdado.
Teodorico colocou o chapéu e saiu às carreiras esbarrando nos transeuntes. Chegou cartório do Justino e o encontrou em serviço no balcão. O tipo trajava a gravata preta em sinal de luto, comia umas fatias de vitela que estavam em cima de uma folha antiga do “Diário de Notícias”. O rapaz foi logo indagando a respeito de sua parte no testamento... Apenas o óculo?
Justino mastigava, mas não deixou de responder... Era isso mesmo, Dona Patrocínio havia lhe deixado apenas o óculo do comendador Godinho.
O moço quase teve um colapso e caiu sobre o sofá de couro. Justino deu-lhe um cálice de vinho... E foi isso que o reanimou... Então pediu ao tabelião que lhe revelasse os detalhes do testamento da velha Patrocínio.
(...)
Justino disse que a santa senhorinha deixara-lhe “duas inscrições de conto”... Em relação às riquezas que haviam pertencido ao comendador Godinho, esclareceu que foram por ela distribuídas de modo não muito coerente. Acrescentou que a distribuição era, inclusive, perversa.
Ao “Senhor dos Passos da Graça”, ela deixou “o prédio do Campo de Santana e quarenta contos de inscrições”... O padre Casimiro, que sequer podia se movimentar, herdou “as ações da Companhia do Gás, as melhores pratas e a casa de Linda-a-Pastora”... O padre Pinheiro foi agraciado com “um prédio na Rua do Arsenal”...
(...)
Obviamente o testamento não se encerrava por aí.
Na próxima postagem veremos o Justino revelar o que coube ao padre Negrão, ao doutor Margaride, e também à criada Vicência.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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