segunda-feira, 12 de março de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – do casamento com dona Jesuína e do reconhecimento social; reatando a amizade com o doutor Margaride; da posse do solar dos condes de Lindoso

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/03/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_95.html antes de ler esta postagem:

Crispim fez questão, e assim marcaram o encontro para o domingo às dez horas.
Teodorico compareceu ao Hotel Central... Almoçaram e seguiram para a Ribeira numa encantadora embarcação.
O domingo foi de agradável passeio pelo rio e pelo campo e Teodorico conheceu Dona Jesuína, a irmã do Crispim... Ela contava trinta e dois anos, era ruiva e zarolha. O Raposo aprovou a robustez de seus peitos. Além disso, sua pele lembrava a das maçãs maduras e seu sorriso era de incomparável brancura.
(...)
Então, ao entardecer, enquanto retornava, Teodorico dedicou-se a pensar sobre a donzela.
Ela tinha formação nas Salésias... Conhecia de Geografia e sabia dizer quais eram os rios da China... Seu conhecimento de História era espantoso e lhe permitia falar a respeito de todos os reis da França. Quis que Teodorico lhe contasse a respeito de sua romagem à Terra Santa e passou a chamá-lo “Teodorico-Coração-de-Leão”.
(...)
Pode-se dizer que os dois se entenderam bem.
Não foi por acaso que Teodorico passou a jantar aos domingos na Pampulha.
Dona Jesuína preparava um prato de ovos queimados e permanecia por longo tempo a contemplar com seu “olho vesgo” a face barbuda do moço.
Certa tarde, o Crispim pôs-se a falar da família real portuguesa... Teceu elogios diversos, sobretudo em relação ao respeito à Constituição e à graça e bondade da rainha... Depois do café, desceram ao jardim e, enquanto caminhavam, Teodorico aproximou-se do ouvido de Dona Jesuína e lhe disse que ela sairia uma boa rainha... Acrescentou que isso até poderia vingar se ele mesmo fosse rei...
As palavras insinuantes a fizeram corar.
(...)
Foi na véspera do natal que o Crispim chegou à mesa de trabalho de Teodorico para uma prosa diretamente relacionada àquela tarde no jardim... De súbito referiu-se à ideia de a irmã se tornar rainha “se o Raposinho fosse rei”... Na sequência perguntou ao funcionário se em seu peito batia um coração que devotava amor à mana Jesuína.
Teodorico sabia o quanto o patrão conservador “admirava a paixão e o ideal”... Estava a ponto de garantir que nutria sincera paixão por sua irmã, algo como o fanatismo que se tem pelo brilho de remota estrela... Mas logo conteve a mentira ao lembrar-se da “voz altiva e pura da Travessa da Palha”.
Então disse que não era amor o que trazia em seu coração, todavia a achava “um belo mulherão” e apreciava o dote... Acrescentou que lhe seria um bom marido.
No mesmo instante, o Crispim estendeu-lhe a mão para os cumprimentos.

(...)

Os registros das memórias afirmam que depois veio o casamento, a paternidade e a realização pessoal...
Teodorico tornou-se proprietário... Passou a possuir carruagem e a comenda de Cristo... Todos do bairro passaram a tê-lo em boa consideração...
O doutor Margaride voltou a fazer parte de seu círculo social e a visitá-lo assiduamente aos domingos. O magistrado sempre ficava para jantar e confabular. Ele não se cansava de dizer que Teodorico, além de ser um homem viajado, era do mundo das letras e exemplar patriota.
(...)
Foi numa tarde de domingo que o Margaride lhe disse que o padre Negrão estava interessado em vender “o velho solar dos condes de Lindoso” porque desejava concentrar suas propriedades em Torres.
Para ele, Teodorico não devia pensar duas vezes... As árvores do solar deram sombra à sua mãe e ao seu pai... O certo a fazer era comprar a propriedade que ele tanto desejara no passado.
Outro que insistiu na aquisição foi o Crispim, que dizia que era a um Raposo que o solar devia pertencer. E mais... Depois de sacramentar a compra, o cunhado devia erguer um belo torreão para dar-lhe a apropriada fisionomia de castelo.
E foi isso mesmo que Teodorico fez. Comprou a quinta do Mosteiro “numa véspera de Páscoa”... Assinou os documentos no cartório do Justino junto com o procurador do Negrão.
Desde então, Teodorico tornou-se definitivamente “o senhor do Mosteiro”.
O Margaride o elogiava por todas as suas qualificações e dizia que o Estado lhe devia “o título de Barão do Mosteiro”...
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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