Depois da conversa reveladora sobre o paradeiro dos amigos de Dona Patrocínio, Teodorico recolheu-se à sua casa... Pensou sobre a situação no mínimo estranha... Tudo o que desejara (e até amara, como era o caso de Adélia) tinha acabado nas mãos do “horrendo Negrão”!
E tudo legitimamente! Aquilo não era produto da troca dos embrulhos ou dos erros de sua hipocrisia!
(...)
Definitivamente ele não tinha do que reclamar... Casara-se com a boa
Jesuína, tornara-se pai, proprietário e comendador... No alto de sua
estabilidade, enfim, podia compreender a vida e o que havia lhe faltado na
noite em que entregou o “valioso embrulho” à tia.
Faltou-lhe
a oratória e a coragem de dizer a todos os que se reuniram no oratório que
aquilo era, sim, a relíquia... Então teria dito que desejara fazer-lhes uma
surpresa e que a preciosidade milagrosa não era a coroa de espinhos, como
anunciara anteriormente...
Diria que o que tinham
sobre o altar era simplesmente a “camisa de Santa Maria Madalena”, que ela mesma
havia lhe dado no deserto...
Aquele
papel provava tudo! Ela lhe escrevera a dedicatória: “ao meu portuguesinho
valente, pelo muito que gozamos”... E lá estavam suas iniciais “M.M”!
E o que significava
aquele "o muito que gozamos" senão a confissão de que ele gozara ao
enviar suas orações à santa... E que, desde o céu, ela também gozara ao recebê-las.
(...)
Ninguém
questionaria... Todos tinham conhecimento dos “bilhetes remetidos do céu pela
Virgem Maria, e sem selo”, aos santos missionários de Braga (mostrados em seus
sermões)... Periódicos como “A Nação” garantiam que se tratavam de divinas e
autênticas missivas que traziam o perfume do Paraíso em suas dobras.
Naturalmente os padres Negrão e o Pinheiro, cientes de seu dever, logo
aclamariam a camisa, o bilhete e iniciais como miraculosos “triunfos da
Igreja”.
Dona Patrocínio o reconheceria “filho e herdeiro”... Daí para frente sua
vida seria de riqueza e também de beatificação.
O papa lhe enviaria a benção apostólica pelo
telégrafo e seu retrato seria exibido na sacristia da Sé.
(...)
E muito mais poderia
ocorrer...
Talvez a ciência avançaria sobre a descoberta... Quem sabe o próprio
Topsius não reaparecesse para reivindicar a camisa de Maria de Magdala... Garantiria
que o precioso documento arqueológico traria à luz vários dos costumes do Novo
Testamento, tais como “o feitio das camisas na Judéia no primeiro século, o
estado industrial das rendas da Síria sob a administração romana, a maneira de
abainhar entre as raças semíticas”.
Nesse
caso, Teodorico Raposo seria lembrado pelas academias como um Champollion e
tantos outros “sagazes descobridores do passado”...
Renan o saudaria como
a um colega de pesquisa!
Muito se escreveria a
respeito da descoberta... Em alemão! E ainda publicariam mapas elucidativos de
sua viagem pela Galileia. Seria perfeito!
Passaria
a ser considerado pela Igreja, enquanto que as universidades o homenageariam...
(...)
Mas, como se sabe,
não foi isso o que ocorreu.
Teodorico mesmo
explica o motivo...
É
que no momento decisivo, o de descarregar a ideia de que os panos pertenciam à
Maria Madalena, faltou-lhe o descaramento dos que fomentam “ciências e religiões”.
Fim.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto