segunda-feira, 12 de março de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – o fim; últimas reflexões; do que ocorreu e do que poderia ter ocorrido; de “ciências e religiões” e do descaramento dos que se promovem com mentiras

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/03/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_24.html antes de ler esta postagem:

Depois da conversa reveladora sobre o paradeiro dos amigos de Dona Patrocínio, Teodorico recolheu-se à sua casa... Pensou sobre a situação no mínimo estranha... Tudo o que desejara (e até amara, como era o caso de Adélia) tinha acabado nas mãos do “horrendo Negrão”!
E tudo legitimamente! Aquilo não era produto da troca dos embrulhos ou dos erros de sua hipocrisia!
(...)
Definitivamente ele não tinha do que reclamar... Casara-se com a boa Jesuína, tornara-se pai, proprietário e comendador... No alto de sua estabilidade, enfim, podia compreender a vida e o que havia lhe faltado na noite em que entregou o “valioso embrulho” à tia.
Faltou-lhe a oratória e a coragem de dizer a todos os que se reuniram no oratório que aquilo era, sim, a relíquia... Então teria dito que desejara fazer-lhes uma surpresa e que a preciosidade milagrosa não era a coroa de espinhos, como anunciara anteriormente...
Diria que o que tinham sobre o altar era simplesmente a “camisa de Santa Maria Madalena”, que ela mesma havia lhe dado no deserto...
Aquele papel provava tudo! Ela lhe escrevera a dedicatória: “ao meu portuguesinho valente, pelo muito que gozamos”... E lá estavam suas iniciais “M.M”!
E o que significava aquele "o muito que gozamos" senão a confissão de que ele gozara ao enviar suas orações à santa... E que, desde o céu, ela também gozara ao recebê-las.
(...)
Ninguém questionaria... Todos tinham conhecimento dos “bilhetes remetidos do céu pela Virgem Maria, e sem selo”, aos santos missionários de Braga (mostrados em seus sermões)... Periódicos como “A Nação” garantiam que se tratavam de divinas e autênticas missivas que traziam o perfume do Paraíso em suas dobras.
Naturalmente os padres Negrão e o Pinheiro, cientes de seu dever, logo aclamariam a camisa, o bilhete e iniciais como miraculosos “triunfos da Igreja”.
Dona Patrocínio o reconheceria “filho e herdeiro”... Daí para frente sua vida seria de riqueza e também de beatificação.
O papa lhe enviaria a benção apostólica pelo telégrafo e seu retrato seria exibido na sacristia da Sé.
(...)
E muito mais poderia ocorrer...
Talvez a ciência avançaria sobre a descoberta... Quem sabe o próprio Topsius não reaparecesse para reivindicar a camisa de Maria de Magdala... Garantiria que o precioso documento arqueológico traria à luz vários dos costumes do Novo Testamento, tais como “o feitio das camisas na Judéia no primeiro século, o estado industrial das rendas da Síria sob a administração romana, a maneira de abainhar entre as raças semíticas”.
Nesse caso, Teodorico Raposo seria lembrado pelas academias como um Champollion e tantos outros “sagazes descobridores do passado”...
Renan o saudaria como a um colega de pesquisa!
Muito se escreveria a respeito da descoberta... Em alemão! E ainda publicariam mapas elucidativos de sua viagem pela Galileia. Seria perfeito!
Passaria a ser considerado pela Igreja, enquanto que as universidades o homenageariam...
(...)
Mas, como se sabe, não foi isso o que ocorreu.
Teodorico mesmo explica o motivo...
É que no momento decisivo, o de descarregar a ideia de que os panos pertenciam à Maria Madalena, faltou-lhe o descaramento dos que fomentam “ciências e religiões”.
Fim.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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