Gade desejou que a paz estivesse com os dois estrangeiros e parou diante deles... Ele encarou os olhos de Teodorico como quem busca o mais profundo da alma e disse que a lua nasceria em breve.
O essênio impressionava pela brancura de sua túnica e mais ainda espantava pela convicção com que se manifestava sobre as “coisas” que os seguidores de Jesus aguardavam. Ele perguntou se Teodorico e Topsius sentiam o coração fortalecido a ponto de acompanhar o Rabi “até o oásis de Engada”.
Teodorico ergueu-se assombrado e exclamou a sua falta de entendimento... Como podia ser aquilo, se todos sabiam que Jesus havia morrido e jazia “sob uma pedra, numa horta do Garebe?”
(...)
Como
se vê, o longo e conturbado sonho de Teodorico reserva-nos uma versão
conturbadora a respeito dos episódios que se seguiram à crucificação de
Cristo...
A polêmica que a
envolve só pode ser inaceitável pelos cristãos, e torna “A Relíquia” um dos
romances mais controversos.
(...)
A
mensagem que o essênio trazia era a de que, ao nascer da lua, os seguidores de
Jesus O levariam para Engada...
Teodorico agarrou o
braço de Topsius... Talvez esperasse que o intelectual pronunciasse uma
explicação, mas também ele se mostrava perturbado.
O alemão respondeu
que tinham o coração forte... Parece que pretendia dar prosseguimento ao
raciocínio que costurava, mas o interrompeu dizendo que “não tinham armas”...
(...)
Gade insistiu que
deviam seguir com ele... Garantiu que passariam na casa de uma pessoa que os
orientaria e que lhes entregaria as armas que desejassem.
Teodorico
tremia dos pés à cabeça... Perguntou ao essênio onde Jesus estava naquele
momento... Atento aos arredores, o essênio respondeu que Ele se encontrava na
casa de José de Ramata... E emendou que despistaram a gente do templo ao
depositarem o Rabi no túmulo novo localizado no “horto de José”.
Gade prosseguiu
dizendo que a pedra não fechava totalmente o túmulo e que isso estava de acordo
com os ritos... Assim, o rosto do Rabi podia ser contemplado por quem se
aproximasse... Esse foi o caso das mulheres que choraram por três vezes sobre a
pedra.
Os do templo que assistiram àquelas manifestações, e conferiram o jazigo,
deram-se por satisfeitos e se recolheram aos seus lares... Gade disse que
entrou pela porta de Gená e que, apesar de não ter visto nada mais, sabia que
José de Ramata buscaria o corpo de Jesus acompanhado de uma pessoa de sua confiança.
Orientando-se a partir das receitas “no livro de Salomão”, José de Ramata O
faria “reviver do desmaio em que O deixou o vinho narcotizado e o sofrimento”.
Por fim, Gade insistiu uma vez mais, dizendo que Topsius e Teodorico
deviam segui-lo... Era o que deviam fazer se O amavam e Nele acreditavam!
Teodorico admirou-se ao ver que o companheiro
alemão encheu-se de decisão, tomou sua capa e movimentou-se dando a entender
que seguiria o essênio...
(...)
Em
silêncio, desceram a escada do terraço e seguiram para um “caminho de pedra
miúda colado à muralha nova de Herodes”.
Topsius e Teodorico
orientavam-se pela brancura das vestes de Gade. O caminho era todo escuridão e
marcado por ruínas de casebres, onde eventualmente um cão aparecia saltando e
uivando. O animal parecia denunciar que os passos dos três estavam sendo
vigiados.
Soldados
faziam a ronda no alto da muralha... A parca luz de suas lanternas escapava pelas
aberturas (ameias). Então os caminhantes sabiam que podiam mesmo ser vistos a
qualquer momento.
Mas isso não ocorreu...
(...)
A
certa altura do caminho, uma sombra surgiu junto a uma árvore... A triste
figura que parecia ter saído de uma sepultura, puxou a capa de Topsius e, em
meio a gemidos e “baforadas de alho”, sugeriu que se recolhessem a um leito que
ela preparara e perfumara de nardo.
Repudiaram o tipo e prosseguiram
pelo lúgubre caminho até chegarem a um muro. Passaram por uma precária entrada prejudicada
por arbustos. Depois caminharam por um corredor bastante umedecido por fino fio
d’água até chegarem “a um pátio rodeado por uma varanda” sustentada por vigas de
madeira que não inspiravam a menor segurança.
Interromperam os
passos abafados pelo piso amolecido e aproximaram-se da beirada de um poço que
estava coberto por tábuas... E foi então que Gade soltou “três espaçados gritos
de chacal.”
(...)
Quem
olhasse para o céu naquele instante contemplaria uma escuridão “impenetrável
como o bronze”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_26.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto