quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – o essênio convoca Topsius e Teodorico para participarem do polêmico plano de resgate e transferência de Jesus ao oásis de Engada; os riscos do lúgubre caminho; “três espaçados gritos de chacal” anunciam a chegada aos companheiros de missão

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_24.html antes de ler esta postagem:

Gade desejou que a paz estivesse com os dois estrangeiros e parou diante deles... Ele encarou os olhos de Teodorico como quem busca o mais profundo da alma e disse que a lua nasceria em breve.
O essênio impressionava pela brancura de sua túnica e mais ainda espantava pela convicção com que se manifestava sobre as “coisas” que os seguidores de Jesus aguardavam. Ele perguntou se Teodorico e Topsius sentiam o coração fortalecido a ponto de acompanhar o Rabi “até o oásis de Engada”.
Teodorico ergueu-se assombrado e exclamou a sua falta de entendimento... Como podia ser aquilo, se todos sabiam que Jesus havia morrido e jazia “sob uma pedra, numa horta do Garebe?”
(...)
Como se vê, o longo e conturbado sonho de Teodorico reserva-nos uma versão conturbadora a respeito dos episódios que se seguiram à crucificação de Cristo...
A polêmica que a envolve só pode ser inaceitável pelos cristãos, e torna “A Relíquia” um dos romances mais controversos.
(...)
A mensagem que o essênio trazia era a de que, ao nascer da lua, os seguidores de Jesus O levariam para Engada...
Teodorico agarrou o braço de Topsius... Talvez esperasse que o intelectual pronunciasse uma explicação, mas também ele se mostrava perturbado.
O alemão respondeu que tinham o coração forte... Parece que pretendia dar prosseguimento ao raciocínio que costurava, mas o interrompeu dizendo que “não tinham armas”...
(...)
Gade insistiu que deviam seguir com ele... Garantiu que passariam na casa de uma pessoa que os orientaria e que lhes entregaria as armas que desejassem.
Teodorico tremia dos pés à cabeça... Perguntou ao essênio onde Jesus estava naquele momento... Atento aos arredores, o essênio respondeu que Ele se encontrava na casa de José de Ramata... E emendou que despistaram a gente do templo ao depositarem o Rabi no túmulo novo localizado no “horto de José”.
Gade prosseguiu dizendo que a pedra não fechava totalmente o túmulo e que isso estava de acordo com os ritos... Assim, o rosto do Rabi podia ser contemplado por quem se aproximasse... Esse foi o caso das mulheres que choraram por três vezes sobre a pedra.
Os do templo que assistiram àquelas manifestações, e conferiram o jazigo, deram-se por satisfeitos e se recolheram aos seus lares... Gade disse que entrou pela porta de Gená e que, apesar de não ter visto nada mais, sabia que José de Ramata buscaria o corpo de Jesus acompanhado de uma pessoa de sua confiança. Orientando-se a partir das receitas “no livro de Salomão”, José de Ramata O faria “reviver do desmaio em que O deixou o vinho narcotizado e o sofrimento”.
Por fim, Gade insistiu uma vez mais, dizendo que Topsius e Teodorico deviam segui-lo... Era o que deviam fazer se O amavam e Nele acreditavam!
Teodorico admirou-se ao ver que o companheiro alemão encheu-se de decisão, tomou sua capa e movimentou-se dando a entender que seguiria o essênio...
(...)
Em silêncio, desceram a escada do terraço e seguiram para um “caminho de pedra miúda colado à muralha nova de Herodes”.
Topsius e Teodorico orientavam-se pela brancura das vestes de Gade. O caminho era todo escuridão e marcado por ruínas de casebres, onde eventualmente um cão aparecia saltando e uivando. O animal parecia denunciar que os passos dos três estavam sendo vigiados.
Soldados faziam a ronda no alto da muralha... A parca luz de suas lanternas escapava pelas aberturas (ameias). Então os caminhantes sabiam que podiam mesmo ser vistos a qualquer momento.
Mas isso não ocorreu...
(...)
A certa altura do caminho, uma sombra surgiu junto a uma árvore... A triste figura que parecia ter saído de uma sepultura, puxou a capa de Topsius e, em meio a gemidos e “baforadas de alho”, sugeriu que se recolhessem a um leito que ela preparara e perfumara de nardo.
Repudiaram o tipo e prosseguiram pelo lúgubre caminho até chegarem a um muro. Passaram por uma precária entrada prejudicada por arbustos. Depois caminharam por um corredor bastante umedecido por fino fio d’água até chegarem “a um pátio rodeado por uma varanda” sustentada por vigas de madeira que não inspiravam a menor segurança.
Interromperam os passos abafados pelo piso amolecido e aproximaram-se da beirada de um poço que estava coberto por tábuas... E foi então que Gade soltou “três espaçados gritos de chacal.”
(...)
Quem olhasse para o céu naquele instante contemplaria uma escuridão “impenetrável como o bronze”.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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