domingo, 14 de janeiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – discussão e insatisfações entre os judeus a respeito da decisão de José de Ramata; o custo da manutenção da velha (e da futura) ordem; de volta à casa de Gamaliel

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_13.html antes de ler esta postagem:

Os comentários a respeito de José de Ramata prosseguiram... Um saduceu de cabelos oleosos disse que o conhecia há algum tempo e podia garantir que a sua inclinação por “inovadores” não era nenhuma novidade. Disse também que o vira falar com o Rabi da Galileia várias vezes nas proximidades do Campo dos Tintureiros, e nessas ocasiões também Nicodemo marcava presença...
Sobre Nicodemo, o saduceu acrescentou que se tratava de um homem rico, dono de gados, vinhas e de todas as casas vizinhas à Sinagoga de Cirenaica.
Um dos que ouviram se indignou e chegou a comentar que a nação corria risco na medida em que “os mais considerados” resolviam adular os pobres e ensinar-lhes que “os frutos da terra devem ser igualmente para todos”.
Um jovem pôs-se a protestar... Gritou que aqueles “mais considerados” faziam-se “Raça de Messias” e traziam a perdição para Israel. O saduceu ergueu a mão querendo acalmá-lo... Disse que “Jeová é grande” e que os reveses sempre resultariam em situação melhor porque tanto no templo quanto no conselho não faltariam aqueles que defendiam a manutenção da “velha ordem”... Graças a esses “homens fortes” também não faltariam crucificações nos calvários.
Depois dessas palavras do saduceu, os demais disseram “Amém!”.
(...)
Enquanto isso, o centurião vistoriou as outras duas cruzes com as barras de ferro que os legionários levavam. Os cruxificados estavam em péssimo estado, um gemia copiosamente, o outro estava todo contorcido e tinha as mãos rasgadas pelos cravos...
Os dois suplicavam por um pouco de água. Mas sabemos o que receberam.
(...)
Topsius anunciou que já era hora de se retirarem do outeiro...
Teodorico estava amargurado e com lágrimas nos olhos. Enquanto descia tropeçando nas pedras do caminho, pensava sobre as cruzes que ainda seriam fincadas nos calvários como o saduceu conservador previra...
Era triste saber o quanto a humanidade ainda sofreria com aquele tipo de miséria! O Justo havia sido crucificado. Ele, “penetrado do esplendor de Deus”, havia ensinado a “adoração em espírito” e proclamado o “reino da igualdade”.
Era triste saber que muitas injustiças ainda seriam cometidas... Fogueiras arderiam martirizando inocentes. Outros tantos seriam esquecidos em frias masmorras ou seriam enforcados...
Quantas dessas atrocidades não seriam cometidas em nome da religião e legitimadas por “sacerdotes, patrícios magistrados, soldados, doutores e mercadores”?

(...)

Os pensamentos de Teodorico ainda estavam tomados por aquelas reflexões quando chegaram a Jerusalém...
As aves faziam sua cantoria nas frondosas árvores do Garebe e aos poucos a escuridão foi dominando a atmosfera.
Chegaram à casa de Gamaliel para a ceia... Teodorico notou que o burro utilizado para movimentar o moinho doméstico estava preso a uma argola e coberto de panos escuros certamente providenciados por Eliézer de Silo.
A ampla sala azul, de teto revestido com cedro, estava perfumada com folhas de malóbatro... O anfitrião acomodado em seu divã estava descalço, usava as mangas arregaçados e pregadas na altura do ombro. Próximo à mobília havia um cajado do tipo que se utilizava para longas viagens, além de “uma cabaça de água e uma trouxa, emblemas rituais da saída do Egito”.
Na frente do divã estava uma rica mesa. Sobre ela acomodaram vasos com flores e alguns cestos carregados de frutas e pedaços de gelo... Junto a isso havia um belo candelabro retorcido em forma de arbusto. Cada ponta dessa peça trazia uma chama de curioso brilho azul.
O sorridente Eliézer de Silo encostara-se numas almofadas vermelhas de couro e contemplava sossegadamente as chamas do candelabro. Ao lado do médico do templo arranjaram dois bancos cobertos com tapetes da Assíria... Topsius e Teodorico logo entenderam que os lugares estavam reservados para eles.
Gamaliel saudou os recém-chegados, disse que as maravilhas de Sião eram grandes e que deviam estar esfomeados... Na sequência, chamou os escravos batendo levemente as mãos.
Um tipo volumoso, que trajava túnica amarela os antecedeu... Os serviçais calçavam sandálias de feltro e entraram sem provocar qualquer barulho... Eles ergueram os pratos de cobre e logo a atmosfera foi tomada por aromas culinários.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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