Os comentários a respeito de José de Ramata prosseguiram... Um saduceu de cabelos oleosos disse que o conhecia há algum tempo e podia garantir que a sua inclinação por “inovadores” não era nenhuma novidade. Disse também que o vira falar com o Rabi da Galileia várias vezes nas proximidades do Campo dos Tintureiros, e nessas ocasiões também Nicodemo marcava presença...
Sobre Nicodemo, o saduceu acrescentou que se tratava de um homem rico, dono de gados, vinhas e de todas as casas vizinhas à Sinagoga de Cirenaica.
Um dos que ouviram se indignou e chegou a comentar que a nação corria risco na medida em que “os mais considerados” resolviam adular os pobres e ensinar-lhes que “os frutos da terra devem ser igualmente para todos”.
Um jovem pôs-se a protestar... Gritou que aqueles “mais considerados” faziam-se “Raça de Messias” e traziam a perdição para Israel. O saduceu ergueu a mão querendo acalmá-lo... Disse que “Jeová é grande” e que os reveses sempre resultariam em situação melhor porque tanto no templo quanto no conselho não faltariam aqueles que defendiam a manutenção da “velha ordem”... Graças a esses “homens fortes” também não faltariam crucificações nos calvários.
Depois dessas palavras do saduceu, os demais disseram “Amém!”.
(...)
Enquanto isso, o
centurião vistoriou as outras duas cruzes com as barras
de ferro que os legionários levavam. Os cruxificados estavam em péssimo estado, um gemia copiosamente, o outro
estava todo contorcido e tinha as mãos rasgadas pelos cravos...
Os
dois suplicavam por um pouco de água. Mas sabemos o que receberam.
(...)
Topsius anunciou que
já era hora de se retirarem do outeiro...
Teodorico estava
amargurado e com lágrimas nos olhos. Enquanto descia tropeçando nas pedras do
caminho, pensava sobre as cruzes que ainda seriam fincadas nos calvários como o
saduceu conservador previra...
Era triste saber o
quanto a humanidade ainda sofreria com aquele tipo de miséria! O Justo havia
sido crucificado. Ele, “penetrado do esplendor de Deus”, havia ensinado a “adoração
em espírito” e proclamado o “reino da igualdade”.
Era triste saber que muitas injustiças ainda seriam cometidas... Fogueiras
arderiam martirizando inocentes. Outros tantos seriam esquecidos em frias
masmorras ou seriam enforcados...
Quantas dessas atrocidades
não seriam cometidas em nome da religião e legitimadas por “sacerdotes, patrícios
magistrados, soldados, doutores e mercadores”?
(...)
Os pensamentos de Teodorico ainda estavam tomados por aquelas reflexões
quando chegaram a Jerusalém...
As aves faziam sua cantoria nas frondosas
árvores do Garebe e aos poucos a escuridão foi dominando a atmosfera.
Chegaram à casa de
Gamaliel para a ceia... Teodorico notou que o burro utilizado para movimentar o
moinho doméstico estava preso a uma argola e coberto de panos escuros certamente
providenciados por Eliézer de Silo.
A ampla sala azul, de teto revestido com cedro, estava perfumada com
folhas de malóbatro... O anfitrião acomodado em seu divã estava descalço, usava
as mangas arregaçados e pregadas na altura do ombro. Próximo à mobília havia um
cajado do tipo que se utilizava para longas viagens, além de “uma cabaça de
água e uma trouxa, emblemas rituais da saída do Egito”.
Na
frente do divã estava uma rica mesa. Sobre ela acomodaram vasos com flores e
alguns cestos carregados de frutas e pedaços de gelo... Junto a isso havia um
belo candelabro retorcido em forma de arbusto. Cada ponta dessa peça trazia uma
chama de curioso brilho azul.
O sorridente Eliézer
de Silo encostara-se numas almofadas vermelhas de couro e contemplava
sossegadamente as chamas do candelabro. Ao lado do médico do templo arranjaram
dois bancos cobertos com tapetes da Assíria... Topsius e Teodorico logo entenderam
que os lugares estavam reservados para eles.
Gamaliel saudou os recém-chegados, disse que as maravilhas de Sião eram
grandes e que deviam estar esfomeados... Na sequência, chamou os escravos
batendo levemente as mãos.
Um
tipo volumoso, que trajava túnica amarela os antecedeu... Os serviçais calçavam
sandálias de feltro e entraram sem provocar qualquer barulho... Eles ergueram
os pratos de cobre e logo a atmosfera foi tomada por aromas culinários.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_15.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto