quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – divagações do Teodorico do sonho sobre sua permanência na antiguidade dominada pelos romanos; impactante chegada ao templo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_3.html antes de ler esta postagem:

Topsius e Teodorico alugaram duas liteiras de certo liberto do próprio pretor... O homem as deixava expostas “a moda de Roma” nas proximidades do Pretório.
Esse expediente foi providencial, já que os poupou da “sacrificante caminhada pelo Tiropeu e pela ponte do Xisto”... Depois de acomodado no veículo, Teodorico estirou-se pensativo no colchão recheado de folhas de hera secas...
(...)
Mais uma vez temos de levar em consideração os “descaminhos” de seu longo sonho...
O Teodorico que faz os registros das memórias destaca que aquele que mergulhara nos tempos da Paixão de Cristo vinha se sentindo incomodado por uma inquietação... Ficaria para sempre em Israel? Perderia de vez sua individualidade? Não mais voltaria a ser o Raposo católico da Lisboa do século XIX? Não mais emergiria daquela “Antiguidade Clássica” dominada pelo imperador Tibério?
As conjecturas do “Teodorico do sonho” não paravam por aí... Suas reflexões foram tomadas também pela incerteza do retorno à pátria... O que encontraria se voltasse à sua Lisboa? Provavelmente uma “colônia romana”... Certamente na mais aprazível colina haveria grande edificação que abrigaria o procônsul... Percorreria os campos de outrora, mas se espantaria com os templos dedicados às divindades cultuadas pelo império... Não faltariam as instalações militares... As vilas e povoados teriam aspectos bem diferentes.
O retorno à pátria seria marcado por várias incertezas... Sem dúvida, a maior delas estaria relacionada ao núcleo familiar... Quem seriam seus parentes? Que tipo de existência levaria? Viveria como lenhador, como pastor nos campos ou seria um mero varredor de escadarias de algum templo?
Até onde podia imaginar, essas eram as alternativas... Uma maçada! E se ficasse em Jerusalém? Que profissão assumiria naquelas paragens sombrias da Ásia?
Outra maçada! Viveria como um judeu comum... Cumpriria as obrigações religiosas, o Sabá e se orientaria a partir dos ensinamentos de um rabi... Manteria a barba perfumada com óleo de nardo e passearia com seu bastão pelos “jardins de Garebe, entre os túmulos”!
As reflexões de Teodorico o levaram a entender que sua vida seria um pesadelo na Antiguidade. Talvez a hipótese menos dramática fosse a de partir com o sábio doutor Topsius para Roma numa embarcação fenícia... Possivelmente se instalariam numa casa localizada em alguma viela escura do Velabro, com muitos degraus a serem vencidos e com a pesada atmosfera preenchida “pelos guisados de alho e tripa” da vizinhança.
(...)
Felizmente para o Teodorico a liteira chegou ao destino. Abriu as cortinas e logo avistou as pedras do templo... Entraram pela porta de Huldá...
Guardas inspecionavam os que chegavam. Aconteceu que o fluxo parou bruscamente porque um pastor “teimoso e rude” insistia em passar pelo santuário com sua clava carregada de pregos.
Dos átrios chegavam os rumores que evidenciavam grande aglomeração de peregrinos. Conforme passaram pela abóbada estreita, Teodorico pôde conferir um pouco da grandeza do local sagrado para os  judeus... Ele ficou deslumbrado com o “brilho de neve e ouro”... Os mármores e granitos polidos refletiam a intensa luz solar do mês de Nizam...
Ele mal podia relacionar a visão que tivera daqueles pátios desde o alto da colina onde peregrinos acampavam (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_25.html e http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_28.html) com toda a movimentação do momento... Pela manhã, os pátios mais se assemelhavam a grandes piscinas de águas plácidas e claras...
Mas o povo havia ocupado os ambientes... Os pátios estavam atulhados e festivos. A atmosfera era fumarenta e o azedume das gorduras animais queimadas dominavam o ar e impregnavam estofos.
Além do ruído do povaréu em movimento, ouvia-se “roucos mugidos de bois”.
O impacto foi tão grande que a reação imediata do português foi a de agarrar-se ao braço de Topsius.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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