Topsius e Teodorico alugaram duas liteiras de certo liberto do próprio pretor... O homem as deixava expostas “a moda de Roma” nas proximidades do Pretório.
Esse expediente foi providencial, já que os poupou da “sacrificante caminhada pelo Tiropeu e pela ponte do Xisto”... Depois de acomodado no veículo, Teodorico estirou-se pensativo no colchão recheado de folhas de hera secas...
(...)
Mais uma vez temos de levar em consideração os “descaminhos” de seu
longo sonho...
O
Teodorico que faz os registros das memórias destaca que aquele que mergulhara
nos tempos da Paixão de Cristo vinha se sentindo incomodado por uma inquietação...
Ficaria para sempre em Israel? Perderia de vez sua individualidade? Não mais
voltaria a ser o Raposo católico da Lisboa do século XIX? Não mais emergiria daquela
“Antiguidade Clássica” dominada pelo imperador Tibério?
As conjecturas do “Teodorico
do sonho” não paravam por aí... Suas reflexões foram tomadas também pela
incerteza do retorno à pátria... O que encontraria se voltasse à sua Lisboa?
Provavelmente uma “colônia romana”... Certamente na mais aprazível colina haveria
grande edificação que abrigaria o procônsul... Percorreria os campos de outrora,
mas se espantaria com os templos dedicados às divindades cultuadas pelo
império... Não faltariam as instalações militares... As vilas e povoados teriam
aspectos bem diferentes.
O retorno à pátria
seria marcado por várias incertezas... Sem dúvida, a maior delas estaria
relacionada ao núcleo familiar... Quem seriam seus parentes? Que tipo de existência
levaria? Viveria como lenhador, como pastor nos campos ou seria um mero
varredor de escadarias de algum templo?
Até
onde podia imaginar, essas eram as alternativas... Uma maçada! E se ficasse em
Jerusalém? Que profissão assumiria naquelas paragens sombrias da Ásia?
Outra maçada! Viveria
como um judeu comum... Cumpriria as obrigações religiosas, o Sabá e se
orientaria a partir dos ensinamentos de um rabi... Manteria a barba perfumada
com óleo de nardo e passearia com seu bastão pelos “jardins de Garebe, entre os
túmulos”!
As reflexões de Teodorico
o levaram a entender que sua vida seria um pesadelo na Antiguidade. Talvez a
hipótese menos dramática fosse a de partir com o sábio doutor Topsius para Roma
numa embarcação fenícia... Possivelmente se instalariam numa casa localizada em
alguma viela escura do Velabro, com muitos degraus a serem vencidos e com a pesada
atmosfera preenchida “pelos guisados de alho e tripa” da vizinhança.
(...)
Felizmente para o Teodorico
a liteira chegou ao destino. Abriu as cortinas e logo avistou as pedras do
templo... Entraram pela porta de Huldá...
Guardas inspecionavam
os que chegavam. Aconteceu que o fluxo parou bruscamente porque um pastor “teimoso
e rude” insistia em passar pelo santuário com sua clava carregada de pregos.
Dos átrios chegavam os rumores que evidenciavam grande aglomeração de
peregrinos. Conforme passaram pela abóbada estreita, Teodorico pôde conferir um
pouco da grandeza do local sagrado para os
judeus... Ele ficou deslumbrado com o “brilho de neve e ouro”... Os
mármores e granitos polidos refletiam a intensa luz solar do mês de Nizam...
Ele mal podia relacionar a visão que tivera daqueles pátios desde o alto
da colina onde peregrinos acampavam (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_25.html e
http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_28.html) com toda a
movimentação do momento... Pela manhã, os pátios mais se assemelhavam a grandes
piscinas de águas plácidas e claras...
Mas o povo havia ocupado os ambientes... Os
pátios estavam atulhados e festivos. A atmosfera era fumarenta e o azedume das
gorduras animais queimadas dominavam o ar e impregnavam estofos.
Além do ruído do povaréu
em movimento, ouvia-se “roucos mugidos de bois”.
O
impacto foi tão grande que a reação imediata do português foi a de agarrar-se
ao braço de Topsius.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto