Topsius seguiu à frente... Teodorico caminhou em seu encalço pelos pórticos de Salomão, que estavam tomados pela gritaria dos que compravam e vendiam. Não havia como não notar que o profano invadia os ambientes esplendorosos e sagrados.
Cambistas atuavam descaradamente atrás de grades localizadas em certas passagens... Vários deles traziam moedas de ouro penduradas nas orelhas... Trocavam o dinheiro que circulava no templo pelas moedas que os peregrinos traziam das mais distantes paragens. Em seus registros, Teodorico cita “maciças rodelas do velho Lácio” e certos “tijolos gravados”, que circulavam como “notas nas feiras da Assíria”.
Mais à frente alcançaram um belo pomar... As romãzeiras estavam repletas de frutos maduros. Por ali também havia negociantes. Uns ofereciam as mais diversas ervas típicas da Páscoa... Outros vendiam leite puro, lentilhas ou cordeiros... O que mais atraía a multidão eram os tecidos e as joias.
Os mercadores vinham das “colônias fenícias, das ilhas gregas, de Tárdis, da Mesopotâmia, de Tadmor”. Destacavam-se pelos diferentes tipos de casacos que usavam (de acordo com os registros, “soberbas samarras de lã bordada” e rudes tabardos de couro...). Ofereciam tecidos trazidos de Tiro, sedas transparentes de Sheba e materiais em algodão, “estofos solenes” da Babilônia...
Entre os artigos mais vendidos estavam os espelhos recortados em forma de lua, sinetes e objetos diversos de decoração em pedras, ossos e chifres. Os comerciantes conheciam bem os tipos de pedras lapidadas, talismãs e os variados adereços procurados por noivos e os consumidores mais vaidosos.
Topsius dedicou alguma atenção às tendas que abrigavam os vendedores de perfume... Mostrou interesse por um bem trabalhado bastão e até quis saber o seu preço. Mas a atmosfera no local era dominada por cheiro sufocante de resinas e gomas trazidas da África... E isso sem contar as plumas de avestruz, óleos, raízes, folhas, flores e peles de animais exóticos!
Não foi por acaso que os dois se apressaram a sair do “setor impregnado de essências”.
(...)
Passaram à galeria Real, onde ocorriam discussões relacionadas “à
doutrina e à lei”... Diariamente viam-se ali grupos rivalizando uns com outros
sobre os princípios que defendiam... As controvérsias envolviam “saduceus,
escribas, soforins, fariseus, sectários de Esquemaia, sectários de Hilel,
juristas, gramáticos e fanáticos de toda a terra judaica”...
Mestres da lei
acomodavam-se em altos bancos, tendo ao lado pratos de metal onde os fiéis
depositavam moedas. Seus discípulos, jovens e velhos, colocavam-se no chão,
mantinham as sandálias penduradas no pescoço enquanto balançavam os ombros e murmuravam
ensinamentos assimilados.
Por toda parte era
possível acompanhar debates entre os mais fanáticos... Discutia-se a respeito
de tudo! Um queria saber se era correto “comer um ovo de galinha posto no dia
de Sabá”... Outro indagava o motivo de o “osso da espinha dorsal começar a
Ressurreição”...
Topsius achava graça
e escondia o mais que podia o seu sorriso... Teodorico assustava-se sobretudo quando
as discussões se tornavam bruscas e os contendores gritavam “racca! racca!” mexendo
em suas túnicas como se estivessem à procura de alguma arma.
(...)
Os fariseus estavam por toda parte... Normalmente se curvavam para
demonstrar sua piedade. Muitos percorriam os ambientes de olhos fechados, dando
a entender que não pretendiam avistar “as formas impuras das mulheres”...
Outros eram os que gemiam e comprimiam as mãos sobre o estômago para mostrar
que sua pele acinzentada se devia aos jejuns que praticavam.
Topsius apontou na direção de um rabi que interpretava sonhos... O tipo magro
tinha os olhos fundos e estava sentado num amontoado de sacos de lã... Vários
fiéis ajoelhavam-se diante de seus pés, então o homem estendia a ponta de seu
manto escuro sobre suas cabeças e pronunciava as revelações pertinentes a cada
um...
Teodorico
até se interessou pelo intérprete, mas o átrio foi tomado por gritos. Houve
correria e os dois seguiram o fluxo... Então alcançaram o local onde levitas surravam
com pesadas cordas a um leproso que ousara entrar no pátio... No chão já se
formavam poças de sangue. Os curiosos fizeram uma grande roda para assistir ao flagelo.
As crianças presentes acharam graça do que viram.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto