Teodorico não suportou o “adro sacerdotal” e toda movimentação em torno dos sacrifício dos animais... Manifestando sua insatisfação, disse a Topsius que aquilo era “um talho!”... Depois sugeriu que voltassem ao ambiente onde estavam as mulheres.
O alemão observou a altura do sol e explicou que o dia já ia adiantado e a “nona hora se aproximava”. Acrescentou que deviam “ir fora da Porta Judiciária”, ultrapassar o Garebe e atingir um local conhecido como Calvário.
Teodorico sabia muito bem do que se tratava... Não foi por acaso que estremeceu. Tinha convicção do que encontrariam lá e entendeu que a possibilidade de contemplar Jesus e Seu sofrimento na cruz não lhe traria nenhuma “vantagem espiritual”... Tampouco Topsius obteria maior saber!
O rapaz concluiu que a ocasião resultaria apenas em sofrimento para as suas almas... Mesmo assim não objetou e seguiu o companheiro “pela escadaria das águas”.
(...)
Logo alcançaram o primeiro
aglomerado de casas de Acra...
Dada a sua
proximidade do templo, muitos sacerdotes tinham residência entre elas... A
“atmosfera pascal” dominava o lugar. Assim, não era por acaso que muitas das
casas exibiam palmas, lâmpadas, tapeçaria e outros ornamentos em suas varandas.
Algumas tinham portas e umbrais marcados com “sangue fresco de um anho”.
Ao alcançarem uma rua
desprezível, Teodorico arriscou voltar o olhar para o grande templo que havia
ficado para trás... Mais uma vez notou suas imponentes muralhas de granito e toda
sua fortaleza... Considerou a arrogância “da força e eternidade” do santuário e
uma cólera indescritível tomou conta de seu coração.
Sua aversão se
justificava na medida em que pensava na agonia de Jesus, “incomparável amigo
dos homens”, que padecia na colina da morte “destinada a escravos”. No final
das contas era o templo (com seus incensos, sacrifícios de animais e tudo o
mais que nele ocorria) que O condenara à morte. Foi por isso que ele fez um
nervoso gesto com o punho voltado à cidadela (e também ao seu Deus) e desejou
que tudo aquilo um dia fosse arrasado.
(...)
Seguiram o trajeto e
Teodorico não se pronunciou mais...
Chegaram à muralha de
Ezequiá e aproximaram-se de sua estreita porta... Num dos pilares estava afixado
o pergaminho que anunciava as três sentenças: "a de um ladrão de Betebara,
a de um assassino de Emá, e a de Jesus de Galileia!"
Naquele ponto estivera o escriba do Sanedrim... E permaneceu até o
momento da passagem dos três condenados. É que, em respeito à lei, aquele
funcionário devia aguardar até o último instante qualquer testemunho que pudesse
inocentar um dos sentenciados...
Mas via-se que nenhum outro testemunho surgiu. Teodorico imaginou o
escriba recolhendo os documentos oficiais e traçando “um grosso risco vermelho”
sobre cada uma das sentenças expostas. Depois, cumprido o dever, certamente
seguiu para o recanto de seu lar para cear o anho pascal.
(...)
A estrada era margeada por sebes de cactos
floridos àquela época do ano... Mercadores conduziam seus dromedários carregados
de bugigangas na direção de Jopé. Teodorico notou os verdejantes montes
vizinhos, os hortos separados por muros de pedras e seus roseirais... Mulheres
dedicavam-se fiar o linho e a atar os ramos de alfazema e manjerona oferecidos
na Páscoa. Ao redor das parreiras onde elas se ajeitavam, crianças enfeitadas brincavam
animadamente... Tudo ali transmitia paz.
Mais adiante, dois
homens chegavam de uma caçada...Tinham as botas cobertas pela poeira e traziam perdizes
e abutres enlaçados. Um velho de longas barbas e coroa de louro na cabeça
seguia à frente amparado por uma criança. Ele carregava uma lira grega e podia
mesmo ser confundido com um poeta errante.
Chegaram
a um muro em que se notava formosa amendoeira... Dois servos cabisbaixos
acomodavam-se num tronco diante de uma cancela vermelha. Topsius segurou a
túnica de Teodorico e anunciou que aquela era a propriedade de José de Ramata...
Acrescentou que o homem de “espírito inquieto” era membro do Sanedrim,
simpatizava com os essênios e era amigo de Jesus.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/01/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_12.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto