De Teodorico não se podia esperar outro tipo de reação... Ele ficou encantado com as mulheres e não deu a menor importância às palavras do sábio Topsius... Não via problema no fato de elas jamais terem lido Sófocles. De sua parte, se tivesse condição e prestígio, escolheria uma delas e a manteria só para o seu prazer.
Todas o encantavam! Fosse pelo modo como se mostravam devotas (e isso o levava a imaginar cotidianos recatados e marcados por orações na penumbra de perfumados quartos), fosse pela estonteante beleza que deixavam escapar e que o levava a vislumbrar (“escuros olhos de ídolos”, “macios membros de mármore”, “cabelos pesados” e soltos depois de escorregarem “os véus e os linhos de Galácia”...).
(...)
Ele mal percebeu que o companheiro o puxava pelo capuz!
Topsius
iniciou novo trajeto a partir da “escadaria de Nicanor”. Teodorico ainda
manteve o olhar voltado para as “filhinhas de Sião” por algum tempo... E foi
por isso que ao voltar-se topou com o “focinho de um cordeiro branco que um
velho conduzia às costas, amarrado pelas patas e enfeitado de rosas”.
Mais à frente havia
uma cancela de prata... Sem apresentar maiores detalhes, Topsius explicou que a
passagem dava acesso ao local para onde levavam mulheres adúlteras obrigadas a
beberem “águas amargas”.
(...)
Enfim
chegaram a um extenso adro...
Topsius anunciou ao
companheiro que se tratava do “adro sacerdotal”, o local onde Israel adorava o
seu Deus... Os registros de Teodorico revelam o impacto que sofreu ao se dar
conta do santuário, que ele considerou “monstruoso e deslumbrante”.
No centro estava o
“altar dos holocaustos”, que era todo “de enormes pedras negras”... Nos cantos
havia “quatro cornos de bronze; de um pendiam grinaldas de lírios; de outros
fios de corais; o outro pingava sangue”.
A fumaça densa e
avermelhada subia desde a grande grelha do altar... De um lado para outro, os
sacrificadores movimentavam-se sem parar carregando espetos, forquilhas e facas...
Vestiam branco e, conforme adiantara Eliézer de Silo, andavam descalços...
Os sacrificadores
eram velhos... Eram precedidos por tocadores de lira e via-se que se dirigiam
diversas vezes ao altar com um cordeiro (o anho tenro)... Depois seguiam levitas
com “jarros de óleos aromáticos”.
Cada sacrificador contava com alguns ajudantes... Logo que chegavam
diante do altar, ele atirava um pouco de sal sobre a oferenda e dizia uns
salmos enquanto tosquiava um pouco da lã da cabeça do animal... Na sequência
tocavam buzinas e era nesse momento que a lâmina era acionada.
O pobrezinho gritava pela última vez, então o sacrificador elevava suas
mãos ensanguentadas aos céus... Logo após, de acordo com os registros de
Teodorico, “da grelha do altar ressaltava, avivada pelos óleos e pela gordura,
uma chama de alegria e de oferta: e o fumo avermelhado e lento ascendia
serenamente ao azul, levando nos seus rolos o cheiro que deleita o Eterno”.
(...)
O lugar era uma confusão de sons... Ouvia-se os
dizeres próprios dos cerimoniais misturados ao balar dos cordeiros e mugidos dos
bois enfeitados com flores, o crepitar de madeiras queimando e o barulho da
prataria, o som de marretas e o de águas que caíam em “bacias de mármore”...
Havia um cheiro
repugnante no ar... Os sacerdotes ordenavam a queima de ervas aromáticas e os
serventes não se cansavam de abanar longas folhas de palmeiras, mas prevalecia
o terrível odor do amontoado de carnes cruas, sangue, gordura frita e açafrão.
Grandes mesas de mármore eram utilizadas para acomodar carne vermelha e ensanguentada.
Elas atraíam moscas medonhas e estavam posicionadas não muito distante de onde
ficava o gado que logo seria sacrificado... Missão impraticável era a dos
levitas se encarregavam de abanar leques de penas para afugentar os insetos.
Colunas
de onde pendiam cordeiros sacrificados completavam o quadro... Escravos
conhecidos como “netenins” cuidavam de esfolar os animais com instrumentos de
prata... Eles vestiam “aventais de couro cobertos de textos sagrados”... Outros
eram os (“vitimários”) que entregavam os animais preparados para o sacrifício e
transportavam baldes repletos de entranhas.
Escravos idumeus
esfregavam o piso com esponjas, levavam lenha de um lugar para outro ou
cuidavam de manter avivado o fogo...
Sem
dúvida, para um tipo folgazão como Teodorico, o cenário era dos mais
aterradores.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto