sábado, 3 de junho de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – os registros de 18 de agosto de 1895; crianças indisciplinadas e dispostas a infernizar o trabalho da “mestra” substituta; de perigos nas imediações da escola cercada por matagal

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/06/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_3.html antes de ler esta postagem:

Os alunos perceberam que a jovem substituta estava insegura, então passaram a provocá-la de diversas formas. Notaram suas reações e tiraram conclusões sobre o quanto ela era despreparada.
De repente um deles protestou com o seu linguajar da gente do interior que certo Joaquim o provocava com um “arfinete”. Helena contemporizou, disse que o Joaquim era bonzinho e que aquilo só podia ser “história” do que estava reclamando. Disse isso e quis que o acusado confirmasse que não era capaz de fazer maldades como aquela.
(...)
As crianças chamavam-na de “mestra”, e a todo momento a confundiam com reclamações sobre situações que inventavam... Um disse que estava sendo “pinicado” pelo Joãozinho; outro falou que o Joaquim era, sim, malvado...
A “mestra” verificava os cadernos quando alguém protestou que o Chico devia fazer outra lição, e não aquela que estava entregando (que era bem mais simples). Também falaram de certa Elvira que, por pura preguiça, mentiu à “mestra” sobre a lição que devia estudar.
Na sequência, um grupo indisciplinado passou a aprontar algo repugnante... Um dos garotos insistia que a “mestra” tinha de resolver a situação.
(...)
Helena sabia que não tinha condições de resolver nada por ali.
Sua cabeça começou a doer e parecia que ia estourar. Alguém disse que a Amélia estava falando “que a escola se tornara um paraíso de Adão e Eva, e seria bom que a mestra Madge continuasse doente por mais tempo”.
Pensando que poderia chantageá-los, Helena disse que se eles se comportassem melhor ela poderia continuar a lhes dar aulas.
Mas logo percebeu que com aquelas crianças não teria trégua. Um dos alunos reclamou que Pedrinho havia colocado o dedo no próprio nariz para depois agredi-lo enfiando o dedo sujo em sua boca.
(...)
Era demais! O tormento não tinha fim!
De todos os lados vinham solicitações... “Mestra, olhe isto! Mestra, olhe aquilo!”.
Um dos grandes se levantou e pediu licença... Helena quis saber o que ele pretendia. Todos disseram que ele queria a “tabuinha”. Ao mesmo tempo vários deles se levantaram e se dirigiram à mesa da professora. Retiraram a “tabuinha” de uma das gavetas, um pedaço de madeira bem sujo... Um deles disse que ela só podia autorizar a saída do garoto se ele levasse aquela “tabuinha”.
Helena entregou o acessório ao garoto, que imediatamente deixou a sala de aula e partiu para o quintal repleto de mato.
(...)
Não demorou e o menino soltou um grito dando a entender que havia uma cobra no caminho para a “casinha” que servia de banheiro.
A algazarra foi geral. Todos se retiraram da sala e foram direto ao encontro do rapaz. Para tumultuar, cada um dizia uma coisa diferente, “a cobra está aqui!”, “ela entrou ali!”...
Evidentemente Helena sabia que eles só queriam fazer bagunça... Mas também não podia cometer vacilo naquela situação.
Foi difícil, mas todos acabaram retornando aos seus lugares na sala.
Ela retomou a correção dos cadernos e a bagunça voltou a tomar conta do ambiente. A essa altura, Helena começou a pensar que aquele não era lugar onde pudesse se realizar. Pensou em Siá Generosa e seu ofício de quitandeira.
Talvez fosse melhor se tornar alguém como a Siá Generosa, dedicando-se aos serviços das mulheres comuns que lavam roupas e lidam com forno e fogão.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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