terça-feira, 7 de abril de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – jantar na mansão do comendador Vamparazzo; primeira impressão sobre Marieta; pratos italianos, magreza, timidez e Bilac

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/04/a-legiao-negra-luta-dos-afro_5.html antes de ler esta postagem:

O doutor tinha à sua disposição uma série de discos de ópera que outrora pertenceram ao marido de dona Margarida, a proprietária da Hospedaria Paraíso.
Ele ouvia o Rigoletto de Verdi enquanto se preparava para o jantar com o conde Domenico Vamparazzo e Marieta de Santa Luccia, sua única filha, a prometida... Seu futuro parecia estar em jogo, e não havia como controlar a ansiedade... A moça seria meiga, simpática, religiosa e prendada como dizia o pai? Miro havia observado as belas donzelas que se encaminhavam à igreja de São Valentim. Será que já teria visto Marieta no meio de algum grupo?
O melhor que pôde arranjar para se tornar mais apresentável foi uma gravata borboleta dada de presente pelo Salim.
(...)
Conforme o combinado, o carro conduzido por Vitorino estacionou quinze para as nove... Pouco tempo depois Miro cumprimentava o comendador em seu casarão localizado na chácara Santa Luccia.
Também Vamparazzo estava ansioso por receber o promissor doutor. Ele levantou-se assim que a porta se abriu e foi logo oferecendo uma taça de vinho ao rapaz...
Os dois se dirigiram a um canto da sala onde se acomodaram junto a uma mesinha... Como sabemos, Miro não era dado à bebida, mas como a noite era especial não podia recusar os brindes propostos pelo futuro sogro.
O italiano dizia com satisfação que aquela mansão certamente passaria às mãos de Miro no futuro, e que já tinha providenciado tudo para a construção da clínica... Demonstrando sinais de falta de costume com o álcool, o jovem doutor esboçou espanto porque, afinal, ele ainda nem havia manifestado sua decisão.
A situação se tornava mais delicada porque Miro estava ansioso por conhecer Marieta, estava virando um copo após o outro e notava que perdia a capacidade de raciocínio.
É claro que o vinho devia ser dos melhores... Mas isso não fazia a menor diferença... Soluçando e atropelando as palavras, Miro iniciou uma frase que dava a entender que queria saber do paradeiro da filha do comendador.
(...)
Foi dona Romilda, a empregada-governanta, quem tratou de conduzir Marieta até a sala... Suas vestes eram joviais, mas era claro que ela contava pelo menos dez anos a mais do que Miro... Brincos de ouro a ornavam, e sua pele era de brancura escandalosa... A moça era magra e tinha o olhar melancólico voltado sempre para o chão.
Talvez por causa do efeito do vinho, Miro a enxergou como se jovem e exuberante fosse... Num primeiro momento nada disseram e foram interrompidos pelo comendador que anunciou o jantar italiano preparado pela filha: “espaguete à bolonhesa, porpetas, bracholas, berinjelas em condimentos, salada de rúcula com tomate seco e bolotas de mozarela importada da Itália, gigantescas azeitonas pretas e verdes e fatias de ovos cozidos”...
Os aromas se misturavam e confundiam os sentidos de Miro.
A solícita Romilda cuidava de manter o prato e o copo do doutor devidamente servidos a todo instante... O pobre rapaz nem teve condições de experimentar da sobremesa (“compotas e frutas da época”)...
Após a refeição, tudo o que Miro mais desejava era se sentar na cadeira da varanda... Ele libertou-se do aperto do cinto e do paletó e assim conseguiu respirar o fresco ar da noite... Tomou um pouco do licor de jenipapo e do forte café.
(...)
Nem dava para perceber que Marieta estava próxima... Ela permanecia cabisbaixa e em silêncio.
Vamparazzo se afastou de modo imperceptível, então o casal pôde trocar algumas ideias... Miro deu início ao comentar, não sem dificuldades, os dotes culinários de Marieta.
A moça esfregava as mãos nervosamente... Mas de repente disse que gostaria de declamar uma poesia de Olavo Bilac... Miro aprovou... “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo / (...) Pois só quem ama pode ter ouvido / Capaz de ouvir e de entender estrelas”.
Pela vidraça, Vamparazzo observava satisfeito como a filha solteirona parecia se entender com o promissor doutor... Acendeu um de seus charutos e deu uma palmada no traseiro de Romilda, que também estava encantada com a possibilidade do casamento da moça que conhecia desde que esta era um bebê.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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