domingo, 5 de abril de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Maria tornou-se cozinheira em mansão de rica e importante família; recepções marcadas por comentários preconceituosos em relação aos negros e outros de descontentamento em relação aos rumos políticos do país; noticiário da época do Governo Provisório, dúvidas e conclusões da empregada

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/04/a-legiao-negra-luta-dos-afro_77.html antes de ler esta postagem:

Maria tornou-se cozinheira exemplar. E isso não foi por acaso... Ela aprendeu a preparar os pratos que os patrões e suas visitas apreciavam... De fato, pode-se dizer que todos aprovavam a sua conduta e esmero com as tarefas.
Para a patroa era uma questão de honra... Era muito importante que as pessoas da alta sociedade que recebia em sua casa saíssem satisfeitas. Se dependesse de Maria, ela nunca se decepcionaria.
Houve a ocasião em que Maria ficou sabendo que teria de ser “emprestada” à tia da patroa porque a cozinheira dela havia tido “mais um bebê”... A dona comentou que “as negras adoram parir filhos”. Disse isso em tom preconceituoso e completou que “ainda bem que são fortes e em poucos dias estão prontas para o trabalho”. Um clérigo que estava entre os convivas concordou com a anfitriã e arrematou que uma negra arrumadeira da casa paroquial chegou aos dezoito filhos, mas nunca o deixou na mão, pois menos de uma semana após cada parto já estava de volta ao trabalho...
Todos os presentes tinham exemplos semelhantes para narrar... E todos concordavam que suas empregadas eram bem diferentes dos companheiros que arranjavam, “tipos indolentes e malandros”.
(...)
Quintiliana, outra empregada da casa onde Maria José Barroso trabalhava, não aceitava os comentários preconceituosos dos brancos ricos que frequentavam as recepções... Via-se que ela segurava dentro de seu peito uma revolta em relação ao tratamento mesquinho que a patroa lhes dispensava.
Esse não era o caso de Maria... Já fazia mais de dez anos que ela trabalhava para aquela família... Já contava os trinta anos de idade e não tinha ninguém na vida... Ela entendia que a ajudante Quintiliana tinha de aceitar a sua condição e agradecer, pois no fundo os patrões "são gente boa e importante".
Maria era um tipo submisso... Dificilmente seria de outro modo... Dizia à outra que havia patrões que tratavam seus empregados como se estivessem no tempo da escravidão e que até batiam neles.
(...)
O principal passatempo de Maria era ouvir rádio em seu quarto... Graças ao rádio ficou sabendo sobre o que se passava no país... Poemas de Guilherme de Almeida, marchas militares e discursos inflamados se repetiam na programação... Os locutores davam a entender que o país estava vivendo “sob o regime de golpe de estado tenentista de 23 de outubro de 1930”, e que a República Velha, “que estava no poder por mais de quarenta anos, desde a proclamação da República, em 1889” havia sido derrubada.
É claro que Maria não tinha condições de entender o que estava se passando... Ela nem tinha com quem conversar a respeito das dúvidas que tomavam forma em seus pensamentos... Sozinha tirava as suas conclusões. Entre suas certezas, estava a de que seus patrões e as pessoas ricas que frequentavam a mansão eram favoráveis à República Velha.
(...)
O patrão doutor e sua esposa madame criticavam abertamente o que chamavam de “ditadura golpista de Getúlio”... Maria começava a entender um pouco sobre os motivos de o patrão defender a união matrimonial e “fusões patrimoniais” entre aqueles ricos que apareciam na casa... Eram tipos conservadores que tinham uma causa bem definida: manterem-se ricos, “acumular todos os bens possíveis nas próprias mãos e na de seus pares” e, com isso, enriquecerem-se ainda mais.
Também as quatrocentonas, de pele bem clara e perfumada repetiam descontentamentos políticos enquanto saboreavam canapés e bebidas finas durante os jantares e festas... “Onde isso vai parar, meu Deus?”...
(...)
Pelo rádio, Maria soube que Vargas havia governado o estado do Rio Grande do Sul... Ela queria entender se ele era mesmo o monstro ditador que pintavam... Por que será que ele depôs Júlio Prestes, que era de São Paulo e o havia vencido nas eleições? Por que ele impôs um interventor nordestino (o tenente João Alberto Lins de Barros) em São Paulo? Por que será que depois de quarenta dias ele substituiu o tenente João Alberto por Laudo de Camargo?
O locutor seguia narrando os acontecimentos: O comandante da Força Pública, general Miguel Costa, deveria ser o próximo interventor... Laudo de Camargo foi deposto pelo coronel Manuel Rabelo... Para o radialista, também Rabelo cairia...
Maria mal consegue acompanhar a sucessão de acontecimentos políticos... Ela gostaria de entender por que o rádio manifestava tanta aversão aos interventores...
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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