A patroa de Maria seguiu para a Chácara do Carvalho... Ela estava decidida a se alistar em algum dos setores destinados às tarefas femininas...
Era imprescindível que as mulheres contribuíssem com o esforço revolucionário paulista... Vimos que os jornais e o rádio anunciavam que sua dedicação podia ser comparada à das esposas dos bandeirantes... Havia quem as comparasse às “mulheres de Atenas”, com a ressalva de que as paulistas se sobressaíam por irem à luta!
A campanha não podia parar... O ouro arrecadado estava sendo bem aplicado, pelo menos era o que garantia o noticiário.
Vimos que não era com “total desprendimento” que a patroa agia... Em sua mente dúvidas pareciam pairar... Doaria anéis e aliança ao “ouro para o bem de São Paulo”?
Maria nada tinha que pudesse doar... Exceto, é claro, a sua disposição de trabalhar...
(...)
Vejamos o que ocorreu.
Estamos neste ponto em que as duas deixaram a banca de
jornal do português Quincas e seguiram a pé para o posto de alistamento...
Aconteceu que a patroa encontrou duas antigas amigas de sua época no Des
Oiseaux. Então ela disse qualquer coisa a respeito de cada uma (sobre suas
viagens à Europa, casamentos muito bem arranjados; sobre encontros nos horários
do chá da tarde...) e deixou Maria a certa distância para que pudesse
cumprimentá-las e trocar algumas palavras...
Enquanto as elegantes “quatrocentonas” trocavam ideias a respeito de
suas preocupações em relação à guerra e sobre as “novidades da high society”,
Maria se impacientava. Não foi por acaso que ela perguntou à patroa se poderia
seguir sozinha para sede da 2ª Região Militar...
A patroa autorizou a cozinheira a ir em frente e cumprir o seu dever...
Ela e as amigas iriam para uma casa de chá que havia sido inaugurada por
aqueles dias na Rua Dona Angélica... Depois esclareceu que Maria teria de
retornar de bonde para a mansão.
Tudo indicava que a patroa já tinha resolvido a sua participação no
movimento revolucionário da “brava gente bandeirante” ali na calçada mesmo,
pois disse à Maria que ela não precisava se alistar porque, com as amigas que
acabara de encontrar, atuaria no “Centro de Coordenação das Atividades
Femininas, na sede da Liga das Senhoras Católicas de São Paulo”...
Olívia Guedes Penteado,
fundadora da referida entidade, era parente da patroa de Maria.
(...)
Na Junta de Alistamento,
Maria procedeu conforme o solicitado... Basicamente teve de responder a algumas
questões para identificação...
Já estava anoitecendo
quando chegou à mansão onde trabalhava.
Na verdade retornou a casa para se despedir dos patrões e das
crianças...
Maria não estava sozinha...
Em frente à mansão, cerca de 20 voluntários negros e indígenas a aguardaram...
Todos estavam fardados.
E para a surpresa dos patrões, também a cozinheira
trajava um fardamento militar... Ela explicou-lhes que entendera que seria mais
útil na linha de frente... Disse também que os companheiros de Legião a
chamavam de “Maria Soldado”.
Mas aquela novidade era demais para os patrões, que tentaram argumentar
sobre os perigos a que ela estava se expondo...
Nada do que disseram, e nem mesmo a choradeira dos
filhos dos patrões (que pareciam mesmo gostar dela), foi suficiente para
convencê-la a desistir da Legião Negra.
(...)
Na sequência, Maria se encaminhou para a casa de dona Nicota (tia da
patroa) para se despedir. Essa consideração se devia à ocasião em que Maria havia
sido “emprestada” para cozinhar para ela.
Os voluntários fardados que a acompanhavam permaneceram à sua espera na
rua.
Dona Nicota era muito religiosa... Demonstrou seu espanto com a decisão
da negra Maria e não se despediu antes de rezarem o Rosário “com os mistérios
gozosos, dolorosos e gloriosos”... Depois a velha pendurou uma correntinha com
a medalha de Nossa Senhora Auxiliadora no pescoço da soldada...
(...)
Depois disso, Maria foi ter com os companheiros de armas... Emocionou-se
ao pensar no carinho que os patrões lhe dispensaram... Uma lágrima rolou pelo
seu rosto.
Mas era com alegria que
partia com os demais... O grupo se acomodou numa “birosca” para bebericar, participar
da roda de samba e falar sobre “histórias de assombração e de traições”...
Decididamente ela se sentia parte de uma
família.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto