Maria caminhava ao lado da patroa no imenso terreno da mansão...
As conversas entre os amigos durante os jantares eram uníssonas, todos concordavam que o governo Vargas representava um retrocesso e que os paulistas eram perseguidos pelo presidente... Todos exigiam uma nova Constituição, eleições e o fim da imposição de interventores de outros estados.
(...)
Mas vimos que Vargas
contava com simpatizantes também em São Paulo... Tanto é que os manifestantes
mais radicais de 23 de maio partiram para o ataque às sedes das organizações
que apoiavam o presidente Vargas (o Partido Popular Paulista e a Legião
Revolucionária).
As mortes de Martins, Miragaia, Camargo e Dráusio
(este faleceu alguns dias depois) foram consequência de confronto em que até
granadas foram atiradas contra a multidão...
(...)
A guerra foi deflagrada... O movimento MMDC mobilizou a sociedade...
Também as mulheres foram convocadas ao alistamento.
Os patrões de Maria eram idealistas. Nota-se que
estavam sinceramente motivados. Disponibilizar os empregados à causa era uma demonstração
de seu compromisso com MMDC.
Maria caminhava, ouvia a patroa e entendia que era claro que eles
estavam dispostos a cedê-la ao movimento revolucionário... Ela devia se alistar
para contribuir com os combatentes constitucionalistas e permanecer fiel aos
patrões?
(...)
Não era sem razão que em seus pensamentos problematizava a situação.
Ela gostaria de entender por que Vargas era mais odiado pelos ricos...
Naquela mesma manhã ela
ouviu que até mesmo os conterrâneos do presidente, ministros gaúchos,
abandonavam o governo por não aguentarem o “descumprimento das primeiras
promessas”... Maria também queria entender os motivos de tanto desentendimento
entre os que o apoiavam.
Graças ao rádio, a humilde
cozinheira ficou sabendo que um dos chefes da infantaria do exército paulista
que se organizava para a guerra seria um negro do Rio Grande do Sul... Será que
sua patroa tinha ideia de quem era o coronel Palimércio de Rezende?
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Faustino registra que
as “Memórias” do coronel Euclydes Figueiredo, homem forte do comando paulista,
foram dedicadas a Palimércio de Rezende.
Figueiredo era natural do Rio de Janeiro... Ele se recusara a apoiar o
movimento militar que colocou fim à República Velha no final de 1930... E foi a
partir de suas conversas com Francisco Morato, Paulo de Morais Barros e Júlio
de Mesquita, que “aceitou comandar a revolta de São Paulo”.
(...)
Também foi graças ao rádio
que Maria ficou sabendo que forças outrora antagônicas se aliaram para lutar
contra o ditador... Foi formada a Frente Única Paulista, que reunia o antigo
PRP (Partido Republicano Paulista), que era vinculado ao esquema político da “Política
do Café com Leite” e concentrava a antiga oligarquia, e o PD (Partido Democrático),
que concentrava a “burguesia industrial emergente” e havia apoiado a Aliança
Liberal (dois anos antes, essa chapa política de oposição ao candidato oficial,
Júlio Prestes do PRP, que lançou Vargas).
De acordo com Faustino, a Frente Única Paulista: “defendia
a convocação imediata de eleições, a elaboração de uma nova constituição e, no
mínimo, que o próximo interventor de São Paulo fosse um civil e,
principalmente, paulista”.
(...)
Na verdade, em março Vargas promulgou código eleitoral que determinava
mudanças substanciais (como o voto secreto obrigatório e o direito ao voto
feminino), além disso, foi instituída uma comissão para preparar o anteprojeto
de Constituição... Estava praticamente acertado que no ano seguinte ocorreriam eleições.
Nem Maria nem os assíduos ouvintes das transmissões
radiofônicas ficaram sabendo dessas iniciativas do presidente... Por que será?
(...)
Em vez disso, o rádio divulgava com empolgação que as tropas de Mato
Grosso, comandadas pelo general Bertoldo Kingler, apoiariam as forças rebeldes
paulistas... E o reforço não era nada desprezível, já que prometiam o envio de
milhares de soldados e centenas de canhões.
(...)
A patroa ouviu Maria confirmar que seguiria com ela até o posto de
alistamento...
Assim que terminaram de passear, Maria se dirigiu ao quartinho. Ela
ligou o radinho que transmitia o nervoso pronunciamento do médico Adhemar Pereira
de Barros contra Getúlio e sua política de massacre contra São Paulo...
(...)
Algumas considerações finais ressaltadas por Faustino:
Em 1938, esse mesmo Adhemar
aceitou sua nomeação como interventor de São Paulo pelo presidente (ditador
durante a fase do “Estado Novo” – 1937-1945). Anos mais tarde governou o estado
por duas legislaturas... Inclusive ao tempo do golpe militar de 1964.
O coronel Figueiredo também
é personagem controverso... Ele ficou conhecido por ter combatido os miseráveis
do Contestado (entre o fim de 1912 e agosto de 1916, na região de litígio entre
Paraná e Santa Catarina), e também os combatentes do Forte de Copacabana
(revolta dos 18 do Forte, em 1922).
Sobre o coronel
Palimércio, o velho Tião em seu branco de praça poderia se lembrar de sua
visita à Chácara do Carvalho e sua revista às tropas... Mas é claro que ele não
era da Legião... O homem era “braço direito” do coronel Euclydes Figueiredo.
João Baptista Figueiredo, filho do coronel
Euclydes, foi o último presidente da época da ditadura militar (governou entre
1979 e 1985)... Saiu do cenário político garantindo que preferia o cheiro de
seus cavalos ao do povo...
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto