Aconteceu que um dia Marcela apareceu para receber o tratamento, e Miro não conseguiu resistir à tentação... Ele se entregou totalmente aos seus caprichos sexuais...
E gostou mesmo de se envolver com a moça... Se soubesse que a satisfação que experimentava seria tão boa, talvez tivesse se enamorado Marcela quando ela ainda vivia no prostíbulo do Bairro do Barreiro.
(...)
O dia estava nublado... Uma
chuva forte se aproximava. Miro e Marcela estavam tão envolvidos um com o outro
que pareciam formar uma só massa nua...
Ninguém menos do que Marieta estava chegando com uma porção de bolinhos
de chuva para o marido... O susto de Miro foi tão grande que ele se atrapalhou
todo ao tentar se desvencilhar da parceira... Tentou se justificar, mas só
conseguiu gaguejar...
Marieta deixou cair os bolinhos e saiu em disparada como se desvairada
fosse... Causou grande tumulto enquanto corria e derrubava tudo o que estava à
sua frente... Gritava que o marido era um canalha, traidor e uma série de
outros adjetivos que o desqualificavam.
A esposa traída foi para o centro da rua, onde a chuva já formava
algumas poças d’água... Sua respiração era ofegante, mas ela prosseguiu com os
xingamentos. O escândalo que protagonizava fez juntar muita gente ao seu
redor...
De um momento para outro a aglomeração cresceu tanto que as pessoas se
acotovelavam umas às outras... Ela ainda tinha algum fôlego para uma última
ofensa, então encheu os pulmões e gritou: “seu neeeegro!!!”
(...)
A quantidade de guarda-chuvas abertos era impressionante... Ninguém
queria perder o episódio...
O coronel Marcolino estava
a caminho... Também Vamparazzo havia sido avisado por alguém e já estava no
meio da multidão.
Miro apareceu diante de
todas aquelas pessoas... Estava muito envergonhado... Olhou para o sogro
italiano e viu que ele tinha ares de decepção, mas era só isso. Sinceramente
não se podia dizer que Marieta estivesse decepcionada como o pai... Até podia
se notar um leve sorriso em seu rosto.
Quando o coronel
Marcolino chegou, sua fisionomia era de uma fúria só... Montado em seu cavalo,
parecia-se mais com algum justiceiro impiedoso dos filmes de cowboys... Todos
podiam ver que a sua carabina estava carregada e engatilhada...
O clímax da situação se deu quando os curiosos, que outrora chamavam
Miro de “querido doutor”, gritaram chamando-o “negro”, “preto sem vergonha”, “preto
abusador de mulher casada”, “Negro! Negro! Negro!”, “só podia ser preto!”
(...)
Aquilo não podia acabar
bem...
Miro ouvia as ofensas
enquanto buscava uma saída milagrosa.
E o milagre aconteceu.
O apito do trem estava anunciando a sua passagem pela estação...
Mais que depressa, Miro recolheu o que pôde das gavetas da clínica...
Foi com um louco que correu no rumo da estação... Enquanto corria foi atingido
por uma pedrada na cabeça.
(...)
Já no vagão, notou o sangue que lhe escorria da cabeça
e ensopava o seu “avental de médico”...
Este capítulo 17 do livro é encerrado por Faustino com uma reflexão que
leva o seu personagem a um profundo exame de consciência:
O vermelho tinge o branco... O negro encobre
o “moreno”. Os ferimentos, tanto o da cabeça quanto o da alma, fazem, pela primeira
vez, Miro Patrocínio descobrir quanto pode doer a palavra “preto”.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto