quinta-feira, 16 de abril de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Marieta surpreende Miro e Marcela na clinica; escracho público, e Miro começa a entender o que é ser negro numa sociedade dissimulada; fuga desvairada; uma reflexão

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/04/a-legiao-negra-luta-dos-afro_15.html antes de ler esta postagem:

Aconteceu que um dia Marcela apareceu para receber o tratamento, e Miro não conseguiu resistir à tentação... Ele se entregou totalmente aos seus caprichos sexuais...
E gostou mesmo de se envolver com a moça... Se soubesse que a satisfação que experimentava seria tão boa, talvez tivesse se enamorado Marcela quando ela ainda vivia no prostíbulo do Bairro do Barreiro.
(...)
O dia estava nublado... Uma chuva forte se aproximava. Miro e Marcela estavam tão envolvidos um com o outro que pareciam formar uma só massa nua...
De repente a sala do consultório se abriu.
Ninguém menos do que Marieta estava chegando com uma porção de bolinhos de chuva para o marido... O susto de Miro foi tão grande que ele se atrapalhou todo ao tentar se desvencilhar da parceira... Tentou se justificar, mas só conseguiu gaguejar...
Marieta deixou cair os bolinhos e saiu em disparada como se desvairada fosse... Causou grande tumulto enquanto corria e derrubava tudo o que estava à sua frente... Gritava que o marido era um canalha, traidor e uma série de outros adjetivos que o desqualificavam.
A esposa traída foi para o centro da rua, onde a chuva já formava algumas poças d’água... Sua respiração era ofegante, mas ela prosseguiu com os xingamentos. O escândalo que protagonizava fez juntar muita gente ao seu redor...
De um momento para outro a aglomeração cresceu tanto que as pessoas se acotovelavam umas às outras... Ela ainda tinha algum fôlego para uma última ofensa, então encheu os pulmões e gritou: “seu neeeegro!!!”
(...)
A quantidade de guarda-chuvas abertos era impressionante... Ninguém queria perder o episódio...
O coronel Marcolino estava a caminho... Também Vamparazzo havia sido avisado por alguém e já estava no meio da multidão.
Miro apareceu diante de todas aquelas pessoas... Estava muito envergonhado... Olhou para o sogro italiano e viu que ele tinha ares de decepção, mas era só isso. Sinceramente não se podia dizer que Marieta estivesse decepcionada como o pai... Até podia se notar um leve sorriso em seu rosto.
Quando o coronel Marcolino chegou, sua fisionomia era de uma fúria só... Montado em seu cavalo, parecia-se mais com algum justiceiro impiedoso dos filmes de cowboys... Todos podiam ver que a sua carabina estava carregada e engatilhada...
O clímax da situação se deu quando os curiosos, que outrora chamavam Miro de “querido doutor”, gritaram chamando-o “negro”, “preto sem vergonha”, “preto abusador de mulher casada”, “Negro! Negro! Negro!”, “só podia ser preto!”
(...)
Aquilo não podia acabar bem...
Miro ouvia as ofensas enquanto buscava uma saída milagrosa.
E o milagre aconteceu.
O apito do trem estava anunciando a sua passagem pela estação...
Mais que depressa, Miro recolheu o que pôde das gavetas da clínica... Foi com um louco que correu no rumo da estação... Enquanto corria foi atingido por uma pedrada na cabeça.
(...)
Já no vagão, notou o sangue que lhe escorria da cabeça e ensopava o seu “avental de médico”...
Este capítulo 17 do livro é encerrado por Faustino com uma reflexão que leva o seu personagem a um profundo exame de consciência:

                        O vermelho tinge o branco... O negro encobre o “moreno”. Os ferimentos, tanto o da cabeça quanto o da alma, fazem, pela primeira vez, Miro Patrocínio descobrir quanto pode doer a palavra “preto”.

Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas