Logo que chegou à Baixada Santista, Miro se sentiu novamente sem rumo...
Parou diante de uma loja e viu a sua imagem refletida na vidraça. Talvez, pela primeira vez em sua vida, prestasse atenção ao próprio rosto... Mesmo sem ter conhecido o pai, acreditava que fosse parecido com ele... Mas o que viu refletido o fez pensar em Benê, sua mãe que definhou no hospital psiquiátrico, por quem ele sentia a mais profunda aversão.
Depois de muitos anos, Miro se viu referindo-se a Benê como sua mãe... Então lágrimas saltaram-lhe dos olhos.
(...)
Miro arrependeu-se por todo mal que havia causado à
mãe... Enfim assumiu que, em vez de desprezá-la, devia tê-la amado... Ele se
emocionou porque naquele momento (é verdade que tardiamente) o seu sentimento
era todo amor, mas não teria como manifestar o seu arrependimento...
Enfim ele reconhecia que Benê havia sofrido muito...
(...)
Recém-chegado a Santos, Miro teve uma visão...
A imagem da mãe surgiu em sua mente... Ela abria os braços... Ele também
manifestou o desejo de abraçá-la. Então fez isso e pediu perdão “por tê-la
matado em vida”... Disse ainda que agora estava convicto que bastaria um gesto
seu e a mãe seria retirada do hospital para viver na casa da madrinha, a dona
Berenice.
Miro estava delirando... Junto à parede da loja, foi escorregando até
ficar prostrado na calçada.
Passou algum tempo e ele teve certeza de ter ouvido a mãe preocupada
perguntar-lhe se estava passando mal.
Na verdade tratava-se de uma idosa que passava pelo local e ficou
compadecida pelo estado lastimável daquele desconhecido... De fato, Miro estava
despertando a curiosidade de muitos que passaram por ele, mas no máximo, assim
que o viam, os transeuntes lançavam críticas ao alcoolismo e aos viciados...
(...)
Já era noite quando Miro
despertou de sua alucinação... Agradeceu a bondosa senhora e disse que devia
ter sofrido algum mal estar... A mulher insistiu, pois queria ajudá-lo, mas ele
se levantou e se despediu para procurar um lugar onde pudesse se instalar...
Tudo o que Miro encontrou
foi uma pensão num beco suspeito, onde prostitutas procuravam clientes...
Foi num dos quartos da
“pensão de alta rotatividade” que ele se ajeitou como pôde... Acomodou-se e
voltou a pensar na “visão” que tivera da mãe, então resolveu escrever uma carta
para a tia Berenice. Sua intenção era a de revelar-lhe que, enfim, havia
reconhecido a própria mãe.
(...)
Foi com desmedida emoção que a já idosa Berenice leu a carta do
afilhado... Até então ela nem sabia dos motivos que o levaram a se afastar de
São Paulo... Jamais tivera notícias suas...
A carta revelava que ele
temia retornar porque era provável que a polícia política ainda o perseguisse...
Berenice compreendeu a angústia de Miro... Ela também entendeu o fato de não
querer visitas, pois estava instalado em um lugar “indecente”... Ficou animada
com a possibilidade de qualquer dia daqueles receber um telegrama com o convite
para passear pela cidade, praias e outros atrativos do litoral.
Berenice ficou emocionada ao constatar que Miro se
referia à mãe com palavras carinhosas... Não fossem suas limitações físicas,
partiria naquele mesmo momento para se encontrar com ele...
Ela também estava muito preocupada com a agitação revolucionária na
cidade... Restava-lhe responder a carta.
(...)
Berenice não tinha ideia de como a condição de Miro
era das mais difíceis...
É que ele não encontrava trabalho...
A “quebra da Bolsa de Nova York” trouxe gravíssimos problemas também
para as exportações brasileiras.
As companhias haviam demitido funcionários, e não estavam contratando...
Poucos eram os estivadores que conseguiam algum
bico...
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto