segunda-feira, 9 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – o velho e solitário Tião avalia o tempo passado e o que resultou das expectativas dos negros da época da revolução constitucionalista; o cortiço da Major Diogo; Rosa e o ofício de lavadeira

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/03/a-legiao-negra-luta-dos-afro_30.html antes de ler esta postagem:

Atitudes como a da senhora que atacou o rapaz que não se interessava pelo alistamento não eram incomuns.
Você pode ter estranhado o fato de a mulher negra reproduzir o mesmo preconceito contra a “gente de cor” que se recusava ao engajamento no “estado de coisas” determinado pelos brancos ricos...
Acontece que esse preconceito era continuamente alimentado pelos patrões, e não poucos empregados das “casas de madame” acreditavam que o tapinha que recebiam nas costas e o afago dos proprietários recompensavam o trabalho pesado e a miserável condição que enfrentavam nos cortiços e barracos...
Reproduziam o preconceito e atacavam os que não se endireitavam e insistiam em se manter numa rotina cheia de vícios... Admitiam mesmo que as virtudes só podiam ser encontradas em meio aos brancos e o seu modo de viver.
Tipos como aquela senhora ouviam palavras amistosas de seus patrões... Quantas vezes teriam ouvido que também “faziam parte da família”?
(...)
O velho Tião em sua quietude no banco da praça pode nos apresentar uma avaliação coerente... Ele mesmo refletia sobre isso... Afinal, depois de 80 anos daqueles episódios, o que mudou na vida dos empregados negros?
Algumas certezas podiam ser sentenciadas por Tião... Eles jamais se tornaram “da família”... Também a repetição dos slogans da Revolução de 32 não os elevou à condição de “quatrocentões” com os quais os próprios patrões se identificavam.
E por mais irônico que possa parecer, Getúlio Vargas que sofria as críticas dos simpatizantes da causa constitucionalista acabou sendo idolatrado mais tarde (como “pai dos pobres”) por muitos negros trabalhadores que haviam engrossado as fileiras de seus desafetos políticos.
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Como podemos notar, Tião é um homem simples. Mas isso não significa que seja “simplório”... Muito pelo contrário, o velho é um pensador. No banco da praça, ele passa algumas horas relembrando o passado.
É por isso que na sequência o vemos refletindo sobre o casarão onde viveu por um bom tempo e sobre as pessoas que fizeram parte de sua vida.
O cortiço ficava na Rua Major Diogo, no Bexiga... Ele tinha 15 anos quando se mudou para lá com a namorada Rosa assim que ela engravidou. Ela ainda não completara os 14 e havia sido expulsa da casa de família onde trabalhava de babá... Também os pais da garota não tinham como sustentar “mais uma boca”, então o natural caminho que o jovem casal tomou foi o do apertado cômodo de cerca de nove metros quadrados.
Tião e Rosa tiveram sete filhos (quatro meninos e três meninas). Ela morreu jovem, aos 19 anos durante o parto de gêmeas (Dirce e Tereza)... Foi Nhá Crisália, a mãe de Tião, quem se dispôs a cuidar da criançada, inclusive indo morar com o filho e netos... As duas recém-nascidas foram amamentadas por uma prostituta da Rua do Matadouro, Bernadete, que ela arranjou... Tião chegou a namorá-la, mas não houve futuro na relação porque ela faleceu no começo da década de 1940.
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Na velhice, a solidão era a principal companheira de Tião...
Seus filhos se foram um a um... E pelo que se pode depreender, Das Dores e Bentinho morreram criancinhas; Tiãozinho, que era o mais velho, foi arrastado pela correnteza do córrego Saracura; já as gêmeas, Zé e Marco se afastaram encaminhados pelos padrinhos ou por patrões...
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A família de Tião ocupava o porão do cortiço na Major Diogo... A pequena vidraça no alto da parede dava para o chão da calçada... E é por isso que, a partir dela, a visão que se tinha era a das pernas dos transeuntes... Rosa se incomodava com a mania do marido de observar as pernas das moças e de puxar assuntos ao relacionar as pernas vistas a algum de seus conhecidos.
Rosa lavava roupas no córrego do Saracura... Ela e muitas outras lavadeiras do bairro... Conseguiam seus clientes entre os moradores mais ricos e, graças a isso, sempre tinham balaios cheios de panos. Rosa dava um duro danado, lavando e passando as roupas com ferro a carvão... Sua freguesia se estendia das mansões da Avenida Paulista ao Jardim Europa...
Os moradores do cortiço se organizaram para abrir um poço no quintal... Depois disso, Tião se animou a construir um tanque que foi de muita utilidade para Rosa e as amigas lavadeiras que só naquele cortiço somavam umas quinze.
(...)
Faustino explica que muitas negras se dedicaram ao ofício de lavadeiras desde a época de sua infância... Ele explica, através da memória de Tião, todo o ritual de enxagues, esfregões com sabão, mergulhos na correnteza, clareamentos ao sol...
O círculo de amizade das lavadeiras envolvia muita falação sobre a vida alheia e algumas desavenças de breve duração... Mas, além disso, sempre havia as ocasiões em que uma delas puxava a cantoria e o árduo trabalho parecia virar uma grande festa.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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