O conflito dos paulistas com o governo Vargas ocorria desde 9 de julho...
Tião era do tipo que não se interessava por política, sequer se empolgava com os discursos transmitidos pelo rádio...
Já fazia algum tempo que as noites haviam deixado de ser silenciosas. As armas de fogo tornavam as madrugadas estrondosas... Porém nem mesmo as vestimentas fardadas e os veículos militares vistos com maior frequência pelas ruas chamavam a atenção do pacato Tião.
(...)
Por falar em rádio, um dos
locutores de maior audiência, e engajado no espírito revolucionário e
constitucionalista, era César Ladeira (que ficou conhecido por criar títulos
artísticos a cantores como Carmen Miranda, Carlos Galhardo e Emilinha Borba).
Ladeira conclamava os paulistas citando poemas de Guilherme de Almeida e outros
de “vertente revolucionária”...
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Vemos
Tião retomando a leitura do jornal...
Conversamos com o Dr.
Joaquim Guaraná de Sant’Anna (advogado
e chefe civil da Legião Negra), que nos
disse o seguinte: “Os descendentes da raça negra no Brasil aqui estão para tudo
o que seja luta e sacrifício. Estamos vivendo a hora mais expressiva da nossa
pátria que, com o nosso sangue, a temos redimido de todas as opressões. Somos
neste instante, um dos maiores soldados dessa cruzada. Venceremos!”
Não
havia como ignorar... Também a comunidade de negros estabelecida na cidade
estava se mobilizando em torno do conflito... A Legião Negra recrutava
combatentes e já havia formado três batalhões... Esperava atingir o número de
3500 alistados.
Tião
conhecia o português dono da banca de jornal, o seu Quincas...
O
comerciante já o observava com atenção há algum tempo e decidiu comentar que
tinha uma aposta com Gino, o italiano sapateiro... Como viu que o que chamava a
atenção do rapaz era o noticiário sobre a Legião Negra, explicou-lhe que a
agremiação havia sido criada em 14 de julho e que todo “homem de cor” parava
para ler os jornais... Completou que a reação era imediata... Alguns seguiam
para a Alameda Eduardo Prado... Outros retomavam o rumo dos afazeres
cotidianos.
A
aposta dos dois imigrantes era simples... Todas as vezes que um daqueles seguia
para o alistamento, o português recebia mil réis do italiano. Se não seguiam
para o alistamento, era o seu Quincas quem devia pagar ao outro.
E tudo indica que eles levavam a brincadeira a sério,
pois o portuga aguardava a decisão de Tião... Ele já havia faturado 33 mil réis
do Gino!
Tião o desanimou, pois
garantiu que não se envolveria com aquele “negócio de revolução”... Era um tipo
identificado com a paz e, sendo assim, pelo menos em relação à sua decisão, o
português já podia ir se preparando para entregar mil réis ao sapateiro.
Seu Quincas fez referências
às palavras do doutor Joaquim Guaraná de Santana... Disse ao Tião que “ser
valente só nas rodas de tiririca” não significava grande coisa, pois São Paulo
esperava muito mais dele.
(...)
Tião era bom nas
rodas de tiririca (também chamada de “jogo de pernadas”, a tiririca era uma
“capoeira típica de São Paulo”. Faustino explica que os homens faziam uma roda
e que um deles ia para o centro dando rasteiras nos demais. Enquanto ele
tentava derrubá-los, os demais procuravam se desvencilhar dos golpes. Havia
rodas de tiririca em que se jogava a dinheiro)...
(...)
Seu
Quincas disse que o doutor Santana frequentava a sua banca, e que ele mesmo
havia lhe dito que fundara o Partido Radical Nacionalista no Rio de Janeiro com
a intenção de “unir todos os homens de cor” no país...
Era com animação que o português lembrava as
palavras do próprio advogado: para promover
a união político-social da raça negra.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto