Estamos neste ponto em que o velho Tião refletia sobre as coisas que gostava de fazer e os ambientes que gostava de frequentar... Oitenta anos se passaram... Alguém acreditaria que tudo aquilo aconteceu?
(...)
Ninguém notou o velho que está em silêncio no banco da praça... Ele
pensava em como as pessoas são desunidas e o quanto a desunião prejudica a
emancipação de todos... Será que os interesses particulares devem sempre
prevalecer sobre o bem comum?
Era lamentável ter de
admitir que a frágil união dos negros não pudesse evitar que a “igreja dos
pretos” fosse excluída da proposta de modernização do Largo do Rosário...
(...)
Tião observa os que caminham para os afazeres... Sabe
que eles também têm preconceitos e que podem elencar justificativas para o
mesmo... É sempre assim... O outro é que é o diferente (“baiano, gordo, preto,
branco, japonês, velho ou muito moço”).
O problema é que não poucas vezes o ressentimento se torna ódio que pode
levar à opressão e até mesmo à violência extremada...
Tião pensava sobre todas essas coisas e lamentava a
capacidade que o ser humano tem de eliminar o seu próximo...
Mais uma vez ele se recorda da Frente Negra, e lamenta que a agremiação
tenha sofrido com posturas de intolerância.
(...)
Mas o que era a Frente Negra?
Essa associação era formada por pessoas marcadas pela superação das
dificuldades impostas às suas famílias desde sempre... Seus dirigentes tinham
em comum o fato de terem se dedicado com afinco aos estudos... Tornaram-se
respeitados pela sociedade e eram reconhecidos por seus empregos...
O ideal da Frente Negra era o de, a partir de suas atividades, “mudar o
conceito que essa sociedade tinha forjado sobre os negros”... A união em torno
desse objetivo seria marcada pela construção das “condições para plantar a
mudança”.
A fundação da Frente Negra
Brasileira data de 16 de setembro de 1931...
O encontro que resultou na
criação da FNB ocorreu no Salão das Classes Laboriosas (na antiga Rua do Carmo;
depois de algum tempo a sede da agremiação foi transferida para a Rua da
Liberdade)... Entre os presentes, estavam Francisco Lucrécio, Raul Joviano do
Amaral e José Correia Leite.
A entidade possuía um
chefe geral, que concentrava amplos poderes... Vinte membros constituíam o
Grande Conselho, e havia ainda um Conselho Auxiliar do qual participavam cabos
distritais.
A Frente Negra era uma organização que muito se assemelhava em seu
formato organizacional a muitas outras que existiam naquele tempo... Várias foram
influenciadas por associações que atuavam na Europa.
A FNB possuía uma bandeira,
brasão e hino... Suas fileiras contavam com uma “milícia paramilitar, cuja
linha de frente era composta por capoeiristas”.
(...)
O primeiro chefe geral da entidade foi o professor Arlindo Veiga dos
Santos... Recordando-se deste personagem, Tião lembra-se de que “na Frente
Negra só tinha negro de classe”...
Veiga dos Santos era
católico dos praticantes. Para ele, a República havia causado um grande mal aos
brasileiros, sobretudo aos negros... É por isso que se assumia como
“patrionovista” (de acordo com nota de Faustino, um patrionovista era “defensor
ardoroso da Monarquia e da restauração do III império, chamado de Pátria
Nova”).
Em 1928 ele havia fundado o Centro Monarquista de
Cultura Social e Política Pátria Nova... Para os patrionovistas, a República
maculava a luta abolicionista e até mesmo a Lei Áurea... Se havia alguma
instituição culpada pelo estado deplorável dos negros, era a República que
deviam acusar.
Arlindo Veiga dos Santos nasceu em Itu e ministrou aulas de “latim,
inglês, português, história e sociologia”... Era tão inimigo da República que
recusou a proposta para se tornar secretário da Educação em São Paulo.
Para muitos dos que frequentavam as reuniões, cursos e
eventos festivos na Frente Negra, o professor não perdia ocasião para doutrinar
os mais jovens garantindo que “negro que se preze tem de ser monarquista”.
(...)
Também Tião recebeu do próprio professor um manifesto patrionovista (“O
Comando Patrionovista”)... No banco da praça ele se recorda de algumas palavras
daquele papel que amarelou e se perdeu no tempo:
Patrícios! Matemos a
República, antes que a República mate o Brasil! (...) Merece, essa criminosa,
carinho algum dos Brasileiros? Vendeu-os, empobreceu-os, desmoralizou-os,
anarquizou-os, fê-los miseráveis e desgraçados em 40 anos, sob a cor mentida do
“progresso”! Morra a República!!!
Mas qual seria o posicionamento político de Tião? Monarquista ou
Republicano?
O velho imagina que “para ser uma das duas coisas”
seria preciso ter estudo...
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto