domingo, 22 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Benê e Berenice, realidades opostas; abusos dos “homens da ordem social” e insanidade; Miro adotado

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/03/a-legiao-negra-luta-dos-afro_20.html antes de ler esta postagem:

Desde a postagem anterior, vemos Miro contando a história de sua vida aos companheiros de Legião Negra... Quem é esse homem?
Trata-se de um líder valoroso como tantos outros que certamente existiram ao tempo da Revolução Constitucionalista... Seu nome (Teodomiro Benedicto Patrocínio da Silva) podia confundir, e os mais desavisados o associariam ao das mais ricas famílias... Mas, como vimos, ele não nasceu em “berço de ouro”.
Não há como não se impressionar com o que ocorreu com dona Benê, a mãe do Miro... Para reencontrar o namorado que a engravidara não mediu esforços e enfrentou todas as adversidades daquela época viajando de São Paulo para a Bahia.
Esgotou-se em suas andanças pelos cacaueiros até que chegou o momento do parto... Foi acolhida na tapera humilde da velha que todos tinham como bruxa, e assim o garoto pôde nascer.
(...)
De volta a São Paulo, Benê foi ter na casa de Higienópolis onde trabalhava como doméstica... A patroa, Berenice Macedo Dalla Rosa, não só a acolheu de volta como se tornou madrinha do pequeno Teodomiro.
Vejamos por que a parte 6 do romance tem o título de Como se clareia a noite da pele humana?...
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É bom que se saiba que também esse enredo imaginado por Faustino não pode ser considerado incomum.
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Sendo uma jovem da alta sociedade paulistana, Berenice participava de vários eventos, muitos deles promovidos pela Igreja.
Não raro, ela e outras mulheres “de classe” se faziam acompanhar de suas serviçais... Então Benê se acomodava a um canto com as demais empregadas e observava achando graça do modo como suas patroazinhas ficavam de piscadelas com os rapazes herdeiros das grandes fortunas de famílias paulistanas...
Berenice era membro da Irmandade das Senhoras Caridosas de Nossa Senhora do Rosário... Benê frequentava a capelinha de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos... As duas seguiam juntas para as missas de domingo, mas no caminho se separavam porque a patroa encaminhava-se para a grande igreja matriz. Ao final das celebrações as duas se encontravam novamente para retornarem para casa...
As cerimônias religiosas na matriz eram suntuosas e não há como compará-las com a simplicidade (até dos padres) da igrejinha dos pretos... Mas Benê se encantava com as reuniões dominicais, as procissões e festejos que aconteciam no terreno.
Houve a ocasião em que Berenice insistiu para que a empregada a acompanhasse até a reunião na grande igreja, onde seria rezada uma novena. Benê não podia recusar, e posicionou-se nos bancos do fundo, onde estavam acomodadas as pessoas mais simples... Dali pôde observar a comadre sendo cumprimentada por homens e mulheres brancas e ricas. A beleza da construção, os cânticos, incenso e o som harmonioso do órgão levaram-na a pensar se Deus não teria atenção especial pela gente da alta sociedade... É, porque na capelinha dos pretos tudo era muito simples, sequer havia instrumentos musicais para acompanhar a cantoria religiosa!
No retorno para casa, as duas foram cercadas por soldados bêbados... Eles retornavam de alguma batalha que travaram para sufocar rebeldes que o governo insistia em chamar de monarquistas ou messiânicos... Os cafajestes agarraram-nas... Benê tentou lutar para defender a patroa. É por isso que eles resolveram agredi-la imediatamente...
Benê teve as vestes rasgadas, foi estuprada e violentada com requintes selvagens... Ensanguentada e desfigurada, levava pontapés dos brutamontes. Berenice chorava e implorava para que a deixassem em paz. De repente eles abandonaram Benê estirada no chão e partiram para cima da patroa.
Mas para a sua sorte, de repente surgiu o oficial que comandava aqueles tipos malvados... Do alto de seu cavalo, gritou a ordem para que se colocassem em posição de sentido...
Berenice correu para socorrer Benê... O oficial quis saber se seus comandados a importunaram... Ao saber que “apenas a empregada foi violentada”, despediu-se e colocou seus homens em marcha.
(...)
O horror se apossou da mente de Benê... Não era para menos... Engravidou daqueles tipos imundos... A menininha já veio morta ao mundo... Não bastassem as perturbações mentais, ela tornou-se sifilítica...
Berenice a internou no hospital psiquiátrico. De sua parte assumiu que sua missão a partir de então seria a de criar o pequeno Teodomiro como se fosse o próprio filho. Nada mais apropriado a uma mulher que buscava vivenciar a ética altruísta... No fundo ela sabia que, se não estivesse acompanhada por Benê naquela fatídica noite, seria a vítima da selvageria dos soldados.
(...)
E então, a pergunta apresentada por Faustino no título da parte 6 de seu romance tem uma resposta?
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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