segunda-feira, 23 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Miro e sua “formação europeia”; rejeição do major Nelópidas, afeição do filho Neo; Higienópolis; Berenice explica que há “altivez” na identidade do afilhado

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/03/a-legiao-negra-luta-dos-afro_22.html antes de ler esta postagem:

Berenice assumiu o pequeno Miro garantindo para si mesma que seu futuro seria digno... Para ela, Miro ainda seria um homem muito importante... Não pouparia esforços para cumprir o seu compromisso moral.
Além dessa consideração, ela levava em conta que o filho de Benê era sobrinho-neto de José do Patrocínio, valoroso intelectual, jornalista e abolicionista reconhecido por todos... Assim, o garoto deveria honrar o nome que carregava.
(...)
De fato, conforme crescia, Miro se destacava nos estudos...
Ele só tinha um amigo, Neo (Nelópidas Dalla Rosa Filho), o sobrinho de Berenice... O pai de Neo (irmão da Berenice) era major do Exército, casado com dona Verônica Cantalizza Dalla Rosa.
Sobre o Nelópidas pai, pode-se dizer que ele um dia admitiu que iria tomar providências para punir os homens que violentaram a pobre Benê... Porém é certo que nada fez a respeito. Além de Neo, tinha mais seis filhas, e procurava impor rígida disciplina na casa... Naturalmente esperava que o seu varão também seguisse a carreira militar, e de modo algum aprovava a sua amizade com o “garoto de cor”.
Sua implicância não intimidava a admiração que Neo dispensava ao amigo Miro... Tanto é que sempre que podia se dirigia à casa da tia Berenice. Todos viam que Miro era mesmo um garoto inteligente e diferenciado...
Neo arriscava-se ao falar sobre a inteligência e esperteza do amigo com o pai... Numa ocasião ele até sugeriu que Miro poderia se dar muito bem como oficial do Exército... Mas é claro que Nelópidas pai alertava o filho para não “dar corda” ao outro, que até “podia pensar que era igual a ele”.
A verdade é que era Miro quem auxiliava o filho do major em suas atividades escolares... Mas não era só isso o que o atraía... Neo gostava muito de se divertir com o amigo também pelas ruas do bairro de Higienópolis.
(...)
Sobre o bairro (criado para as ricas famílias paulistas ligadas à produção/exportação de café “pelo engenheiro suíço Frederico Glete e pelo alemão Victor Nothmann, sócio do urbanista francês Martinho Buchard”), Faustino destaca que ele surgiu das chácaras de três senhoras que pertenciam a famílias aristocráticas (as donas “Maria Antonia da Silva Ramos, filha do Barão de Antonina; Maria Angélica de Souza Queiroz Aguiar de Barros, filha do Barão de Souza Queiroz; Veridiana Valéria da Silva Prado, filha do Barão de Iguape”).
Os nomes pomposos das antigas proprietárias pouco diziam a Miro, que gostava mesmo era de apreciar as mansões das alamedas enquanto sonhava com a remota possibilidade de tornar-se arquiteto... Neo imaginava que aqueles nomes femininos só podiam pertencer a beldades como as que ele contemplava a certa distância dos colégios de seu tempo (o Des Oiseaux e o Nossa Senhora do Sion).
(...)
Berenice levou à risca o seu intento de capacitar Miro o mais que podia... Como considerava inferiores os costumes da gente negra, o manteve afastado e forneceu tudo o que os brancos ricos podiam ter de melhor na educação formal... Assim, Miro teve aulas de música e muitos livros à sua disposição, pôde praticar esportes e se alimentou como os filhos dos barões... Sua formação podia ser equiparada ou até superior à do Nelópidas filho.
Não é por acaso que Miro passou a se identificar com a cultura europeia ao mesmo tempo em que demonstrava aversão ao “modo de ser” dos negros, com os quais ele tinha em comum a pele enegrecida.
Ele assumia a condição de “moreno” e dessa forma podia divisar a distância que o separava dos desfavorecidos... Berenice cuidava de reforçar que os traços de Miro só podiam ser herança do pai... E insistia que da parte de Patrocínio ele devia carregar muito sangue português... Ensinava que a “parte mourisca de Portugal” não é totalmente branca... E que a bisavó materna do rapaz tinha sangue indígena e reconhecida valentia, tanto é que mesmo tendo sido caçada a laço jamais se deixou escravizar.
(...)
Não há como não notar que Berenice ensinava que era muito mais interessante ter ascendência indígena do que negra.
Mas então, por quais motivos Miro de aproximou de seus comandados negros naquela longínqua noite de 1932 no Vale do Paraíba? Por que, apesar da aversão que aprendeu a cultivar, decidiu abrir-se ao Tião, ao Bento e ao Luvercy?
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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