terça-feira, 24 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Miro e a negação de sua negritude; preocupação com a árvore genealógica; a incrível história sobre o falso documento de Tião

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/03/a-legiao-negra-luta-dos-afro_23.html antes de ler esta postagem:

A lembrança das considerações feitas por Miro na longínqua noite de setembro de 1932 (nas proximidades de Queluz) fez o velho Tião se arrepiar no banco da praça...
A madrinha e os professores brancos de Miro contribuíram para que o seu entendimento preconceituoso a respeito da gente negra se solidificasse em sua mente... Ele passou a crer que a ascendência indígena era “mais nobre” do que a negra porque os nativos da terra “não se deixaram escravizar”.
(...)
Aos companheiros, Miro admitiu que “negava a sua negritude por desconhecer a própria árvore genealógica”...
Ao mesmo tempo em que ouvia o que Miro dizia, Tião pensava sobre a grande variedade de árvores (umas fraquinhas, outras robustas) e imaginava que certamente ele mesmo pertencia a uma daquelas bem fortes, talvez um gigantesco baobá do qual ele fosse um dos mais portentosos galhos...

(...)

O velho Tião se recorda do momento em que se alistou na Legião Negra...
Estava sem documento, mas é claro que o pessoal que fazia o registro dos recrutas não estava em condições de dispensar voluntários... Então o folgazão Tião, que contava 20 anos e era um gozador de primeira, não titubeou ao dizer que se chamava Sebastião Honório de Paula Prado (simplesmente fez uma brincadeira com o nome da família proprietária da chácara onde a Legião se instalou)... O resultado foi a confecção de um documento que servia como uma “identidade provisória”...
O mais incrível na história imaginada por Faustino é que, muitos anos depois, Tião viria a se tornar oficialmente um Prado... Já contava 50 anos na década de 1960 quando ficou sabendo que um incêndio destruiu os livros de registros de um cartório uns 20 anos antes... Tião resolveu se dirigir ao cartório para solicitar uma segunda via de sua certidão de nascimento garantindo que havia sido registrado ali... Ele apresentou o antigo documento produzido na ocasião de seu alistamento na Legião Negra... Levou também duas testemunhas, que no caso eram companheiros de malandragem no Lago do Peixe e de carteado na Rua Direita (também eram sambistas dos bons da Nenê de Vila Matilde)...
Há que se ressaltar que além do papel e das testemunhas, Tião conseguiu convencer o oficial do cartório com algumas cédulas que “somavam alguns milhares de cruzeiros”...
(...)
Uma funcionária questionou o chefe sobre possíveis complicações que aquela fraude poderia gerar... Ele respondeu que o tempo passaria e o portador do documento morreria sem provocar incômodos aos herdeiros de Antonio da Silva Prado, o cafeicultor Barão de Iguape (pai de dona Veridiana)...
Para desencargo da consciência, o oficial do cartório deu uma das notas à moça.
Enquanto isso, Tião se divertia num bar com os amigos ao dizer que um dia entraria na Justiça para requerer sua parte da herança... Já pensou? Áreas de Campos Elíseos e Barra Funda... Um terço de Higienópolis...
(...)
Mas não era bem assim... Na época em que Tião conseguiu o “documento que o fazia um Prado”, a antiga oligarquia já não representava a elite paulistana... Aqueles que ostentavam os nomes das ricas famílias cafeicultoras de outrora sequer podiam se considerar parte da aristocracia... Os barões estavam falidos há muito tempo.
(...)
Um enredo fantástico foi desenvolvido por Tião... E desde a época em que esteve no alojamento da Chácara do Carvalho contava a quem tivesse disposição para ouvi-lo que sua avó paterna, Rosalina, havia sido escrava na fazenda dos Prado... Ela teria sofrido abuso do patriarca da família e, assim, Miguel (o pai de Tião) seria “filho ilegítimo” do barão...
Ele garantia que o sobrenome Prado constava do registro de seu pai, mas o documento havia desaparecido misteriosamente... Apesar disso, o testamento do barão reservava parcela de sua fortuna para o filho negro que teve com Rosalina... Ele explicava que a “família legítima” conspirou para que nenhuma partilha ocorresse.
Alguém acreditava nessa conversa?
É claro que não! Mas Tião tinha certeza que, enquanto não se esquecesse da fantasia que criara, continuaria a contá-la.
Alterar “oficialmente” as próprias origens a partir de um documento seria absolutamente incomum?
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas