sexta-feira, 20 de março de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – Miro Patrocínio fala sobre as circunstâncias de seu nascimento; dona Benê, o drama de uma doméstica que se tornou mãe solteira no início do século XX

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/03/a-legiao-negra-luta-dos-afro_19.html antes de ler esta postagem:

Miro Patrocínio tem a admiração de seus comandados...
O vemos desabafando com os seus companheiros de Legião Negra a respeito de seu passado... Eles estão nas proximidades de Queluz, no Vale do Paraíba do Sul... É noite e estão bem cansados, bebem aguardente e fumam cigarros de palha... Há pouco estavam em confronto direto com as tropas fiéis a Vargas.
É o velho Tião que, ainda no banco da praça, se recorda de toda aquela falação. Pode ser que, mais do que narrar aos companheiros, Miro estivesse desabafando para si mesmo.


(...)

Ele começou falando sobre o drama de sua mãe, a empregada doméstica Benê (Benedicta Maria de Jesus do Patrocínio), engravidada pelo namorado baiano... Corria o ano de 1901.
É claro, o Miro nasceu dessa relação... Mas ele mesmo não conheceu o pai, que era um tipo branco que se envolveu com Benê numa de suas passagens por São Paulo...
O namorado da Benê chamava-se Valdomiro da Silva... Ele aprontou com ela (também pode ser que não), disse que precisava retornar para a Bahia (era época de Carnaval) e que no meio da Quaresma estaria de volta... O rapaz simplesmente desapareceu da vida dela.
Benê decidiu ir atrás do pai da criança... Não sem dificuldades tomou um ônibus e depois prosseguiu viagem numa carroceria de caminhão (um pau-de-arara) até a cidade de Itabuna, onde vivia a família de Valdomiro...
Ele não estava entre os familiares portugueses... Desesperada, Benê percorreu o sul do estado da Bahia. Havia notícias de que davam conta de que o moço estivesse numa das fazendas de cacau... Talvez estivesse mesmo sendo explorado por algum grande coronel.
Mas não houve jeito de encontrar Valdomiro... Benê chegou à exaustão de tanto que caminhou pelos cacaueiros... E tanto tempo se passou que o momento de dar à luz chegou.
Foi num casebre próximo à mata que o Miro nasceu... A velha parteira que acolheu Benê tinha fama de bruxa entre os habitantes do povoado... É provável mesmo que ela tenha dito palavras confusas ao auxiliar a pobre mãe a trazer ao mundo o frágil bebê.
Miro foi registrado no cartório de Ilhéus... Benê não se esqueceu de incluir as referências que vinculavam o filho ao pai desaparecido, e é por isso que o nome do menino ficou extenso...
(...)
O que teria acontecido ao Valdomiro? Difícil dizer... Você pode estar pensando que ele quis se aproveitar da falta de malícia da doméstica... Mas também pode ter ocorrido de ele ter sido vitimado por doenças transmitidas por insetos, ataques de feras ou de pistoleiros...
O certo é que o exemplo imaginado por Faustino não é tão incomum... Filhos de domésticas solteiras... Desaparecidos que haviam se envolvido em conflitos com latifundiários... Essas realidades não estão tão distantes de nosso tempo.
(...)
Benê retornou para São Paulo na segunda metade de 1902... Viajou de trem, no lombo de burro, de carroça e pau-de-arara... Dessa vez trazia o seu rebento, e seguiu direto para a casa de sua antiga patroa em Higienópolis, Berenice Macedo Dalla Rosa.
Para a próxima postagem teremos mais informações sobre outros dramas de Benê... Mas podemos antecipar que ela acabou internada no Pinel (hospital psiquiátrico), onde morreu na década de 1920...
Dona Berenice tornou-se madrinha e protetora do pequeno Teodomiro, que cresceu sem criar vínculo afetivo com a mãe... Bem o contrário, seu sentimento era de medo da mulher negra e louca que Berenice insistia em dizer-lhe que se tratava de sua mamãezinha.
(...)
Para o tenente Teodomiro, recordar a infância o faz associá-la à “loucura” da mãe e a um sentimento de culpa que o perseguiu durante toda a vida.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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