O velho Tião está apurando suas recordações... Ele se lembra de vários detalhes da época da Revolução Constitucionalista de 1932. Sua memória já nos conduziu ao cotidiano dos moradores de cortiços que existiam em bairros centrais da cidade de São Paulo.
O texto revela-nos as precárias e limitadas condições da vida dos negros... Sem dúvida elas eram o resultado do preconceito arraigado nas famílias intolerantes de brancos ricos que disseminavam seus valores entre seus empregados (sobretudo as domésticas).
(...)
Ficamos sabendo que nas
mesmas margens do córrego Saracura, onde um dia existiu um quilombo, as
lavadeiras dos cortiços do centro da cidade buscaram a sobrevivência de suas
famílias lavando os panos dos ricos empregadores nas pedras e correnteza.
Hábitos alimentares, religiosidade e festejos? A
memória de Tião ainda conserva de tudo um pouco... O seu exercício de recordar
apresenta-nos um quadro quase completo do modo de ser da gente negra.
(...)
Mas não é só isso...
Sabemos que o tema principal do romance de Faustino é
a “Legião Negra”, agremiação que decidiu partir para o front na defesa dos ideais da “brava gente bandeirante” em oposição
ao governo Vargas.
Então, vemos Tião se envolver nas atividades culturais da Frente Negra e
se relacionar com suas lideranças... Fomos transportados ao contexto das
motivações das lideranças, suas diferenças e incompatibilidades...
Lamentavelmente o inevitável litígio só podia levar ao rompimento. O
velho personagem pode afirmar com certeza que muitas conquistas em favor dos
que padecem poderiam ser obtidas se a união prevalecesse.
(...)
Aos poucos vamos aprendendo um pouco mais sobre a Legião Negra.
Pelo menos em relação ao jovem Tião, o português Quincas da banca de
jornal recebeu mais mil réis do sapateiro italiano Gino...
Ele seguiu para o
alistamento, Quincas ganhou a aposta.
(...)
Na sequência precisamos
retornar para a ficção inspirada em vivências reais...
Tião relembra de um
personagem que conheceu quando esteve na frente de combate no Vale do Paraíba
do Sul, Teodomiro Benedicto Patrocínio da Silva, a quem chamava simplesmente de
“baiano”.
O fato de Miro Patrocínio ser reconhecido como grande combatente já
justificaria sua lembrança... Mas é que ele era mesmo um “tipo marcante”:
“mulato de cabelo bom, de cabeça sempre brilhando a vaselina cheirosa, elegante
até na frente de batalha”.
Os dois se conheceram (de fato) após uma dura batalha na qual as tropas fiéis ao
governo central e as tropas constitucionalistas impingiram e sofreram baixas
tremendas nas proximidades da cidade de Queluz... Uma breve trégua se seguiu...
Fogueira no meio da noite regada à aguardente... Miro se junta aos comandados
Tião, Bento e Luvercy, a quem passou a revelar a história de sua vida...
(...)
Antes de conhecermos a
história (fictícia, inspirada em vivências reais) de Miro, convém registrar a
ocasião em que conheceu o personagem...
É Tião mesmo quem conta que numa das madrugadas, quando
ainda se encontrava em treinamento na Chácara do Carvalho, dormia e sonhava com
uma bela mulher a quem flertava durante um bolero no Salão de Festas do Grupo
Carnavalesco Campos Elíseos (fundado em 1919 por Argentino Celso Vanderlei que,
com o jornalista Lino Guedes de O
Progresso, arrecadava fundos “para a construção de uma herma a Luiz Gama,
no Cemitério da Consolação”)... De repente, no momento mesmo em que estava para
roubar um beijo da beldade, foi despertado por forte batida na porta seguida
por ordem de prontidão imediata.
Assim como os demais companheiros dos beliches, Tião despertou
imediatamente... Todos trajavam camisetas e ceroulas brancas e mal conseguiam
enxergar o gigantesco cabo Miro Patrocínio posicionado na porta do alojamento.
A aparição foi das mais impressionantes, sobretudo por
causa da forte luz do holofote instalado do lado externo... De fato, os
recrutas viam uma grande silhueta iluminada.
(...)
Para Tião, Miro foi merecedor das patentes que conquistou durante a revolução
(1º sargento; tenente)... Chegaria a general?
Tião não duvidava da competência do amigo... Mas sabia que na história
de nosso país nunca houve um general negro...
Além do mais, Miro era baiano, filho de mãe
louca, pobre e “criado por estranhos”.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto