Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-prisao-e-seu.html antes
de ler esta postagem:
Enquanto esteve só, Winston sentiu-se perdido em
relação aos pensamentos... De um momento para outro se dedicava a calcular a
quantidade de tijolinhos que compunham as paredes. Começava a contá-los, mas
logo desistia da ideia... Nesses momentos tentava descobrir as horas, e se
confundia imaginando que tanto podia ser manhã como noite avançada. Pensou na
inutilidade desse esforço, pois a sala possuía a mesma persistente iluminação.
As luzes não se apagavam ou
diminuíam sua intensidade... Daí ter concluído que se tratava do “lugar sem
treva” mencionado por O’Brien. Isso o levou à convicção de que o outro só podia
ter se referido alegoricamente àquele ambiente.
(...)
Não havia janelas no Ministério do Amor... Exatamente por isso tinha
dificuldade de saber a posição da cela, que podia estar no meio do prédio,
nalguma extremidade, nos andares superiores ou no subsolo...
Para passar o tempo,
dedicou-se ao exercício de percorrer mentalmente o local desconhecido numa
tentativa de calcular sua posição. Mas foi interrompido por umas firmes
passadas de botas que se aproximavam. Quando a porta se abriu, notou a entrada
de um jovem oficial que trajava um impecável uniforme negro... O tipo tinha o
rosto magro e muito bem escanhoado.
Em obediência a um gesto do
jovem oficial, os guardas conduziram outro preso à cela. Winston reconheceu no
mesmo instante que se tratava do poeta Ampleforth, que foi lançado com
violência para dentro. Os homens se retiraram e bateram a porta.
Ampleforth estava mais
estranho do que se mostrava cotidianamente no Departamento de Registro...
Winston o via como um tipo “sonhador”, e no momento sentia que o outro parecia
perdido a caminhar pela cela como que a procurar alguma saída. Seu procedimento
era ainda mais perturbador porque parecia não ter notado que não estava só na
cela. Paralisou o olhar num ponto pouco acima da cabeça de Winston e manteve-se
em silêncio.
O especialista em
retificações das produções do gênero poético estava sem sapatos e dos furos de
suas meias sujas viam-se as pontas dos dedos... Ampleforth tinha a barba por
fazer e seu aspecto geral era dos mais lamentáveis. Sua movimentação nervosa
era uma evidência de que havia sido maltratado...
(...)
Winston pensou que o
camarada talvez lhe trouxesse a lâmina de barba e arriscou-se a dirigir-lhe uma
palavra. Chamou-o pelo nome e a teletela não vociferou qualquer advertência...
O balofo poeta assustou-se e com certa dificuldade visualizou o antigo
companheiro de Ministério da Verdade.
Ao reconhecê-lo, Ampleforth manifestou-se surpreso... Winston perguntou
por que o colega havia sido preso e este se acomodou no banco à sua frente,
depois respondeu que só havia “um delito”.
Não precisava dizer muito mais... Winston o entendeu e quis saber se ele
havia cometido a temerária infração. A resposta de Ampleforth foi um tanto
vaga, já que levou a mão à testa como se estivesse tentando lembrar-se de algo
e disse apenas que “aparentemente” (sim, havia cometido o delito).
Na sequência, o colega revisor dos textos
poéticos explicou que “essas coisas acontecem”. E dando a entender que fazia
referência aos seus depoimentos iniciais às autoridades repressivas, disse que
tinha conseguido se recordar de um caso, “um caso possível”, em que trabalhava
na “edição definitiva dos poemas de Kipling” e acabou grafando a palavra “Deus”
no final de um dos versos.
Como que a se justificar,
emendou que não tinha como evitar a redação já que se tratava de elaborar uma
rima para “seus”. O que podia fazer? Por vários dias se dedicara a pensar outra
possibilidade, mas não encontrou alternativa.
De um momento para outro, o poeta encheu-se de empolgação e iniciou uma
explicação a respeito de seu ofício... Depois perguntou ao Winston se ele já
havia refletido a respeito da “história da poesia inglesa” e do fato de ela ser
marcada pela escassez de rimas.
Evidentemente o rapaz
jamais pensara a respeito, e tampouco aquilo lhe importava. Principalmente
diante da delicada situação em que se encontravam. Decidiu perguntar-lhe sobre as
horas... Ampleforth o olhou com espanto e disse que não havia pensado nisso.
Respondeu que o haviam prendido “há uns dois ou três dias” e enquanto falava
lançava o olhar às paredes sem qualquer janela. Emendou que ali não podiam
notar qualquer diferença entre dias e noites e, dessa maneira, nunca poderiam
saber a respeito da passagem do tempo.
(...)
Conversaram ainda por breve
momento até que a teletela vociferou a ordem para se calarem. Winston cruzou os
braços... Ampleforth teve problemas para manter o grande corpo aquietado e se
movimentou muito na tentativa de encontrar uma posição que não gerasse
protestos da vigilância.
Mas não houve meios de se
acomodar e a placa metálica gritou a ordem para que se aquietasse de uma vez.
Depois de mais uns vinte minutos ouviu-se os passos das pesadas botas a caminho
da cela. Isso foi suficiente para que Winston se lembrasse de que estava
apavorado e que provavelmente anunciariam que ele seria o próximo a prestar
esclarecimentos.
Acontece que quando a porta
foi aberta o oficial fez um sinal para o poeta Ampleforth e ordenou que o
acompanhasse à sala 101. A movimentação dos guardas em torno do detento tornou
a ação ainda mais agitada.
Winston
voltou a ficar só, e logo percebeu que a barriga voltava a lhe incomodar.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-apos-conducao-do.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto