Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-obrien-da-inicio.html antes
de ler esta postagem:
Winston viu a fotografia que O’Brien segurou por
alguns segundos diante de seus olhos... Não havia dúvida de que só podia ser
uma reprodução daquela que ele havia destruído. O tipo a escondeu, mas estava
certo de que havia visto o documento perturbador. Não foi por acaso que tentou
se livrar das amarras que o prendiam à cama. Instintivamente queria pegar a
fotografia, mas sabia que isso não lhe seria permitido.
Não segurou a agitação e
exclamou a surpresa por saber que a prova ainda existia. O’Brien respondeu
negativamente e deu alguns passos pela sala até chegar a um “buraco da memória”
instalado na parede e introduziu a fotografia para que fosse sugada e evaporada
pela corrente de calor. Disse que ela se transformara em cinza, nada que
pudesse ser identificável, uma pequena porção de pó... Desse modo, o rapaz
estava errado já que a fotografia não existia e tampouco existira em algum
momento.
Winston agitou-se e ousou dizer que viu o documento... Assim, ele
“Existiu! Existe! Existe na memória!”. Era certo que se lembrava! E que O’Brien
também não podia dizer o contrário!
O’Brien o ouviu sem lhe dar
razão, já que respondeu que não se lembrava de ter visto o documento...
(...)
Winston sentiu o coração
disparar ao mesmo tempo em que constatava que a reação do outro se relacionava
ao “duplipensar” e se assim era não teria qualquer possibilidade de falar a
respeito de evidências. Ele mesmo não tinha convicção de que O’Brien estivesse
mentindo. Nesse caso, por mais absurdo que pudesse ser, teria se esquecido da
fotografia e do que havia feito com ela. Sendo assim, também teria “esquecido
sua negativa de se lembrar, e esquecido o esquecimento”.
Em seu íntimo, não tinha como
admitir que o homem estivesse dramatizando um embuste... Sentiu-se impotente
diante da possibilidade sinistra e disparatada. Era com gente afinada à
ideologia que os acusados tinham de lidar. O’Brien permaneceu a observá-lo com
atenção e, certamente adivinhando o seu raciocínio, adotou ares de tutor
dedicado ao pupilo que tem potencial apesar de vacilar diante de certas
tentações.
Pediu ao Winston que
repetisse o lema do Partido a respeito do “controle do passado”. Sem perder
tempo, ele pronunciou: "Quem controla o passado, controla o futuro; quem
controla o presente controla o passado". O tipo repetiu a última parte e
balançou a cabeça como a dizer que aprovava o a resposta. Na sequência
perguntou se “o passado tem existência real”.
O rapaz percebeu a gravidade
da pergunta e sentiu-se ameaçado... Não por acaso olhou para o dispositivo que
podia aumentar sua sensação de dilaceramento e dor. O que devia responder?
Sequer sabia o que pensava ser a verdade!
(...)
Ao notar seu embaraço, O’Brien sorriu e sentenciou que faltava
metafísica ao rapaz e que sequer refletira a respeito do significado de
“existência”. Na sequência procurou esmiuçar o que pretendia saber... Perguntou
se ele achava que “o passado existe concretamente no espaço” e se “existe em
alguma parte um mundo de objetos sólidos onde o passado ainda acontece”.
Winston negou. Então o outro quis saber onde o passado existe e fez a
pergunta deixando claro que não concordava que se pudesse obter alguma
resposta, pois não aceitava que o passado existisse realmente. O rapaz arriscou
dizer que o passado está “nos registros; está escrito”.
O’Brien insistiu que lhe dissesse onde mais
estaria o passado... Winston respondeu que “na memória dos homens”. Isso não
foi refutado, todavia o tipo observou que o Partido controlava todos os
registros e memórias e, sendo assim, controlava o passado.
Winston arriscou questionar
a respeito de como poderiam impedir que ele e as demais pessoas se lembrassem.
Acrescentou que se tratava de algo “involuntário”, que sempre esteve “fora do
indivíduo”... Poderiam mesmo controlar a memória? Fez essa pergunta e emendou
que pelo menos a dele não tinham conseguido controlar.
Não há dúvida de que essa exaltação não tinha levado em consideração o
dispositivo que podia submetê-lo a dores mais intensas... O’Brien encheu-se de
cólera e levou a mão ao mostrador. Mas não o acionou de imediato e em vez disso
respondeu que o próprio Winston não controlou a memória e que, exatamente por
ter fracassado na disciplina e na humildade, estava detido no momento.
O tipo continuou a
vociferar que a prova da sanidade estava na postura submissa, algo do qual
Winston havia se afastado, preferindo tornar-se um “lunático” e “minoria de
um”. Salientou que para se “enxergar a realidade” é necessário possuir uma “mente
disciplinada”. Disparou que o rapaz entendia a realidade como “algo objetivo,
externo, que existe de per si” e que a mesma possui uma natureza evidente.
Na
sequência avançou em seu discurso sentenciando que Winston se iludia e pensava
enxergar as coisas adequadamente, imaginando que todos os demais viam o mesmo.
Neste ponto o criticou severamente afirmando que “a realidade não é externa”,
já que “só existe no espírito” e mais em nenhum lugar. De modo algum a mente do
indivíduo era local privilegiado da realidade, pois ali ocorrem enganos e “logo
perece”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-obrien-cita-frase.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto