quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - substâncias injetadas no braço do torturado por homens de aventais brancos; especialistas do Partido Interno passaram a conduzir o caso de Winston e aplicaram outros métodos de tortura; fadiga nervosa, exaustão e muitas lágrimas; reduzido à “ boca que confessa e mão que assina” e confessando longa lista de crimes para se ver livre das massacrantes sessões de inquérito e tortura

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-interrogatorios.html antes de ler esta postagem:

Enquanto tomava consciência do lugar em que estava, sobre a alta cama de campanha numa cela em que se encontravam O’Brien e o tipo de avental, Winston podia se recordar de outras situações que haviam marcado sua presença em instalações do Ministério do Amor...
De algum modo, sabia que um “barbeiro carrancudo” lhe havia cortado o cabelo e escanhoado o queixo... Sabia também que tipos mal encarados em seus aventais brancos realizavam constantes verificações em seu pulso e nos reflexos. Estes lhe espetavam agulhas que injetavam substâncias que provocavam sonolência instantânea. Além disso, manipulavam suas pálpebras e tocavam-lhe o corpo a fim de verificar fraturas.
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Ele já havia confessado muitas atrocidades e aberrações... Percebeu que depois de algum tempo a pancadaria diminuiu e que, em vez de método definitivo para o suplício, a tortura era-lhe apresentada como ameaça para os casos em que suas respostas não correspondessem ao que os repressores esperavam ouvir.
Ele não pôde deixar de notar que os agentes de repressão em seus uniformes escuros foram substituídos por membros do Partido Interno, especialistas nos casos de expurgos, tipos encorpados que se movimentavam às pressas e assumiam ares intelectuais por trás das lentes de seus óculos. Esses estavam divididos em pequenos grupos que se alternavam na condução de interrogatórios que podiam durar até doze horas...
Obviamente não interromperam a tortura... Acontece que os inquiridores do Partido Interno o atormentavam com “tapas na cara, puxões de orelha e de cabelo”, além disso, exigiam que Winston ficasse de pé apoiado em uma só perna e se recusavam a permitir que se retirasse para urinar... Direcionavam fortes raios de luz em seus olhos até que lhes escorressem lágrimas. Tudo isso com a intenção de mais “humilhá-lo e de lhe destruir o poder de raciocínio e argumentação”.
Os intelectuais do Partido Interno davam outra dimensão à tortura, que se efetivava nos interrogatórios infindáveis e retomados pelos grupos de trabalho... Neles tramavam-se as armadilhas que levavam o interrogado a cometer equívocos e vacilações. Suas afirmações eram distorcidas e elas o levavam a condenações diversas... Invariavelmente Winston acabava chorando “de vergonha e de fadiga nervosa”.
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As sessões com os tipos do Partido Interno eram sempre marcadas por ocasiões em que o faziam chorar... Isso ocorria até seis vezes em cada uma delas. O fato é que o faziam ouvir muitos insultos, além de ameaçarem entregá-lo novamente aos agentes que atuaram na tortura anterior. De repente podiam mudar o modo como o tratavam e se referiam a ele como camarada... Perguntavam em tom de apelação se, “em nome do IngSoc e do Grande Irmão”, ele não mantinha a lealdade que o levasse a “desejar desafazer o mal que fizera”.
Sempre muito abalado devido às muitas horas de inquirição, esse tipo de apelação o levava às lágrimas. Ficava a certeza de que aquela falação o derrubava emocionalmente mais do que as bordoadas, murros e chutes dos guardas. No final das contas reduziram-no “apenas a uma boca que dizia, uma mão que assinava a tudo quanto lhe fosse exigido”.
Ele se sentia literalmente massacrado... Somente a morte poderia livrá-lo dos infortúnios, mas não tinha como provocá-la. Desse modo restava descobrir o que os agentes repressores desejavam ouvir de seus depoimentos...
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Precisava confessar o quanto antes para se livrar da tortura. No afã de acertar nas declarações, acabou confessando ter assassinado gente graúda do Partido, além de ter distribuído material subversivo e de surrupiar verbas públicas... Garantiu que havia vendido “segredos militares” a potências estrangeiras e de ter participado de diversas sabotagens.
Disse aos inquiridores que havia sido espião do governo da Lestásia e que era pago por isso desde 1968. Para mais escandalizar, afirmou que era “crente religioso, admirador do capitalismo e pervertido sexual”. Também “confessou” ter assassinado a esposa (mesmo sabendo que os agentes podiam conferir que aquilo era uma mentira descarada); que mantinha contato com Goldstein desde muito tempo e que participava de sua organização rebelde clandestina, da qual muitos outros faziam parte. Citou nomes de tipos que não conhecia na esperança de colocarem um termo às sessões.
Em seu íntimo não se sentia mentindo exageradamente, até porque para o Partido “não havia distinção entre pensamento e ato”. Dessa forma, sabia que de fato era um inimigo do sistema... Muitas recordações que podiam comprometê-lo surgiam-lhe na memória, mas elas eram desconexas e, apesar de ainda nítidas em sua frágil consciência, acabavam ficando de fora de suas declarações.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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