segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - O’Brien esclarece o que o Partido espera ao final do processo no Ministério do Amor; erros da inquisição e dos totalitaristas russos nas execuções de heréticos e subversivos políticos; necessidade de confissões “verdadeiras”, eliminação de mártires e de referências rebeldes na história

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-avaliacao-clinica.html antes de ler esta postagem:

O’Brien começou a fazer uma série de perguntas que nada tinham a ver com a problematização da “liberdade de se escrever (ou dizer) que dois e dois são quatro”. Perguntou ao Winston se ele tinha ideia de há quanto tempo estava no Ministério do Amor e o que pensava que o Partido queria quando transferia as pessoas para aquelas instalações...
Vimos que Winston não tinha a menor ideia de há quanto tempo vinha passando por interrogatórios marcados por torturas psíquica e física. Em relação às motivações do regime ao encaminhar pessoas ao Ministério, disse que o Partido pretendia coletar confissões a respeito dos crimes que elas cometiam. O’Brien observou que não era por este motivo e pediu a ele que refletisse sobre outra possível causa.
Depois de algum tempo, o rapaz respondeu que podia ser para punir os infratores da ordem. Não! Ouviu a exclamação ríspida e entusiasmada... Que ficasse sabendo que não se tratava apenas de obtenção de confissões e punições.
(...)
O’Brien parecia empolgado ao falar a respeito do processo que ele entendia como perfeito e bem engendrado pelo Partido. Explicou que tipos como Winston eram levados àquele lugar para que fossem curados da loucura. Emendou que ninguém que chegava às instalações do Ministério do Amor depois de capturado saía sem passar com êxito pelo processo de cura.
Era preciso entender que o Partido não estava interessado “nos estúpidos crimes” como os que ele havia cometido. O “ato físico” de nada valia! Ao regime interessava os pensamentos dos que cometiam a imprudência da sedição. No final das contas, a intenção era destruir os inimigos do IngSoc, mas, mais que isso, buscava-se modificá-los... Será que Winston podia entender isso?
Foi o que O’Brien perguntou enquanto mantinha o rosto próximo ao do rapaz... Este o ouvia e analisava a feiura do poderoso membro do Partido Interno. Reparava seu fanatismo em relação à ideologia do IngSoc. A convicção exacerbada o fazia sentir-se apequenado a ponto de desejar apenas desaparecer no parco acolchoado da cama. O que poderia responder? Seu pensamento focava somente a possibilidade de a alavanca ser acionada novamente a qualquer momento.
(...)
Mas aconteceu que O’Brien virou-se para o lado oposto e começou perambular pela sala. Depois de alguns passos voltou a falar a respeito do programa que a repressão desenvolvia no Ministério do Amor. Disse que ali não ocorriam martírios... E para se fazer entender, passou a destacar o conhecimento acerca da Idade Média, algo ao qual sabia que Winston tivera acesso.
Salientou que as inúmeras perseguições religiosas promovidas pela inquisição haviam sido um fracasso, já que pretendiam pôr fim às heresias e no entanto elas acabaram se perpetuando... Os tribunais enviavam hereges às fogueiras e isso parecia funcionar como propaganda, pois milhares de outros surgiam na sequência. Por que isso ocorria?
A pergunta de O’Brien era retórica e logo ele se pôs a explicar que as execuções ordenadas pela inquisição eram abertas. Além disso, os condenados eram eliminados antes que se arrependessem... A rigor, dizia-se que eram executados exatamente porque não haviam “confessado tudo” ou porque não manifestavam arrependimentos. Acabavam mortos por não renegarem as heresias que haviam abraçado. Isso gerava uma reação contrária à que se esperava, já que para muitos o condenado devia ser exaltado enquanto os inquisidores se tornavam motivo de vergonha.
(...)
O’Brien falou ainda a respeito das perseguições promovidas por nazistas e russos durante o século XX. Em relação a esses últimos, garantiu que eram mais cruéis do que a inquisição e que haviam percebido a importância de não permitir que os executados se tornassem mártires. Nesse sentido, antes do processo, tratavam de propagar notas difamatórias que destruíam sua dignidade.
A tortura e o isolamento impostos aos réus completavam a repressão russa. Reduzidos a quase nada, confessavam tudo o que os inquiridores desejavam... Admitiam terem errado e conforme entregavam nomes de outros sediciosos caíam em vergonhoso pranto.
O problema entre os russos é que os crimes contra o regime voltavam a ocorrer e quando menos se esperava os nomes de antigos condenados eram lembrados como mártires. Isso significa que a degradação a que haviam sido submetidos se apagava da memória coletiva.
Neste ponto O’Brien quis explicar em quê os agentes russos de repressão falhavam e disse que seu erro consistia em não aprofundar a confissão, que era sempre falsa e condicionada ao suplício exacerbado.
Emendou que o Partido não cometia o mesmo erro, pois cuidava para que as confissões proferidas pelos acusados fossem sempre verdadeiras. E que não se duvidasse disso, pois, no limite, o método desenvolvido possibilitava tornar verdadeira toda e qualquer confissão... A vantagem estava no fato de impedirem que “os mortos se levantassem contra o regime”.
A principal lição que transmitia para Winston era a respeito da inutilidade de imaginar que no futuro alguém pretenderia reabilitar seu nome. Ninguém jamais ouviria falar dele! Seria “eliminado da história, transformado em gás solto na estratosfera”. Ele devia saber disso... O Partido cuidava de apagar os registros indesejáveis, anulando qualquer lembrança.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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