quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - após a condução do poeta para a sala 101, reflexões repetitivas e desesperançadas; Parsons também estava detido no Ministério do Amor; desespero do fiel militante em relação ao próprio futuro, “crimideia” denunciada pela filha; um vaso sanitário defeituoso, falta de privacidade e cheiro abominável

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-uma-inutil.html antes de ler esta postagem:

Assim que Ampleforth foi encaminhado à sala 101, Winston se viu novamente sozinho e seus pensamentos se tornaram repetitivos e desesperançados... Suas reflexões se ocupavam da terrível dor de barriga, da ideia de obter um pedaço de pão, de sangue e gritos, O’Brien, Júlia e mais a lâmina para barbear.
Interrompeu os pensamentos assim que voltou a ouvir o barulho das botas que se aproximavam... Logo os guardas apareceram para introduzir na cela ninguém menos do que Parsons. De fato, Winston teve a impressão de sentir um forte cheiro de “suor frio” assim que abriram a porta. O tipo trajava o calção cáqui e uma camisa esportiva e, ao vê-lo, o rapaz espantou-se de tal modo que até se esqueceu das divergências entre ambos.
Parsons foi o primeiro a se manifestar e foi logo exclamando seu assombro ao reconhecer o vizinho de Mansão Vitória... Seu tom de voz não deixava dúvida de que estava aflito por tudo o que vinha passando. Talvez por isso tenha começado a caminhar nervosamente de um lado para outro sem conseguir acomodar-se no longo banco.
Winston notou que o outro estava trêmulo e de olhos arregalados. Perguntou-lhe sobre o motivo de o terem trazido... Quase aos soluços, Parsons respondeu “crimideia”.
(...)
O tipo, que até então vivera exemplarmente como modelo de militante, parecia não acreditar que havia sido incriminado. Ao mesmo tempo falava como quem confessa um delito.
Diante de Winston, Parsons fez perguntas e afirmações que revelavam todo o seu horror ao que estava por vir... Quis saber (como se o rapaz tivesse condições de responder) se o fuzilariam. Na sequência sentenciou que o regime não fuzilava “a gente que não fez nada mal”. Disse que só havia pensado, e lamentou o fato de ninguém conseguir “segurar o pensamento”.
Parsons sempre se mostrou inteirado em relação ao regime e os procedimentos disciplinares, mas na condição de encarcerado estava visivelmente perdido em relação ao que poderia ocorrer com ele mesmo... Disse que sabia que faziam justiça e que confiava nela. Tinha certeza de que conheciam sua ficha...
Neste ponto chamou a atenção do rapaz e apelou para que confirmasse a respeito de sua conduta exemplar. Winston sabia que jamais fora um mau sujeito! É certo que não era dos mais inteligentes, mas sempre agira de boa-vontade. Winston podia confirmar que ele sempre se esforçara para fazer o melhor pelo Partido.
Dizia essas coisas e emendava um “não é mesmo?”. Por fim quis saber sua opinião sobre quanto tempo de detenção teria de cumprir... Será que se livraria com cinco ou dez anos? Veriam que um tipo como ele seria útil num campo de trabalhos forçados... Será que o fuzilariam por ter errado uma única vez?
(...)
Winston ouviu o desabafo nervoso e apavorado de Parsons. Então lhe perguntou se se considerava culpado... O outro respondeu num grito que “naturalmente” era culpado. Fez isso ao mesmo tempo em que se esforçava para mostrar-se como um humilde serviçal à teletela.
Voltou a falar como se estivesse num confessionário ao dizer que “a crimideia é uma coisa horrível”. Era algo capcioso que podia “pegar qualquer um” sem que se percebesse a infração. Especificamente no seu caso, a “crimideia” o atingira enquanto dormia. O caso é que, apesar de toda sua dedicação diária ao Partido, não podia saber que sua cabeça poderia gerir maus pensamentos, e sem que soubesse começou a falar enquanto dormia.
Parsons revelou ao Winston o tipo de coisa que passou a dizer enquanto dormia... Envergonhado, disse que começou a pronunciar “abaixo o Grande Irmão!”, e não foram poucas vezes. No momento tinha a admitir que precisava agradecer por o terem flagrado antes que passasse a adotar procedimentos indizíveis.
Na sequência garantiu que quando estivesse no tribunal agradeceria por o terem salvado “antes que fosse tarde demais”.
Quem o havia denunciado? Era isso que Winston quis saber... Parsons respondeu que sua “filhinha” o denunciara. Sua resposta envolvia-se de “melancólico orgulho”. A pequena o ouvira pela fechadura da porta e no dia seguinte o denunciara às patrulhas. De modo algum tinha do que se queixar... A menina de apenas sete anos simplesmente se comportava de acordo com os seus ensinamentos.
(...)
Então era isso... A filha de Parsons o entregara à repressão porque havia aprendido com ele mesmo que era desse modo que devia proceder em relação aos adultos vacilantes e os traidores.
O tipo voltou a perambular pela sala e de um momento para outro baixou o calção. Pediu desculpas ao Winston e disse que não aguentava mais esperar. Na sequência sentou-se na privada para defecar.
Winston levou as mãos os olhos, mas foi advertido pela teletela: “6079 Smith W! Descobre o rosto! Nada de esconder o rosto!” Ele obedeceu e viu Parsons fazer uso prolongado e ruidoso do vaso sanitário. A descarga não estava funcionando, por isso “a cela fedeu abominavelmente durante muitas horas”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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