Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-uma-inutil.html antes
de ler esta postagem:
Assim que Ampleforth foi encaminhado à sala 101,
Winston se viu novamente sozinho e seus pensamentos se tornaram repetitivos e
desesperançados... Suas reflexões se ocupavam da terrível dor de barriga, da
ideia de obter um pedaço de pão, de sangue e gritos, O’Brien, Júlia e mais a
lâmina para barbear.
Interrompeu os
pensamentos assim que voltou a ouvir o barulho das botas que se aproximavam...
Logo os guardas apareceram para introduzir na cela ninguém menos do que Parsons.
De fato, Winston teve a impressão de sentir um forte cheiro de “suor frio”
assim que abriram a porta. O tipo trajava o calção cáqui e uma camisa esportiva
e, ao vê-lo, o rapaz espantou-se de tal modo que até se esqueceu das
divergências entre ambos.
Parsons foi o primeiro a se manifestar e foi logo exclamando seu
assombro ao reconhecer o vizinho de Mansão Vitória... Seu tom de voz não
deixava dúvida de que estava aflito por tudo o que vinha passando. Talvez por
isso tenha começado a caminhar nervosamente de um lado para outro sem conseguir
acomodar-se no longo banco.
Winston
notou que o outro estava trêmulo e de olhos arregalados. Perguntou-lhe sobre o
motivo de o terem trazido... Quase aos soluços, Parsons respondeu “crimideia”.
(...)
O tipo, que até então
vivera exemplarmente como modelo de militante, parecia não acreditar que havia
sido incriminado. Ao mesmo tempo falava como quem confessa um delito.
Diante
de Winston, Parsons fez perguntas e afirmações que revelavam todo o seu horror
ao que estava por vir... Quis saber (como se o rapaz tivesse condições de
responder) se o fuzilariam. Na sequência sentenciou que o regime não fuzilava
“a gente que não fez nada mal”. Disse que só havia pensado, e lamentou o fato
de ninguém conseguir “segurar o pensamento”.
Parsons sempre se
mostrou inteirado em relação ao regime e os procedimentos disciplinares, mas na
condição de encarcerado estava visivelmente perdido em relação ao que poderia
ocorrer com ele mesmo... Disse que sabia que faziam justiça e que confiava
nela. Tinha certeza de que conheciam sua ficha...
Neste ponto chamou a
atenção do rapaz e apelou para que confirmasse a respeito de sua conduta
exemplar. Winston sabia que jamais fora um mau sujeito! É certo que não era dos
mais inteligentes, mas sempre agira de boa-vontade. Winston podia confirmar que
ele sempre se esforçara para fazer o melhor pelo Partido.
Dizia essas coisas e emendava um “não é mesmo?”. Por fim quis saber sua
opinião sobre quanto tempo de detenção teria de cumprir... Será que se livraria
com cinco ou dez anos? Veriam que um tipo como ele seria útil num campo de
trabalhos forçados... Será que o fuzilariam por ter errado uma única vez?
(...)
Winston ouviu o desabafo nervoso e apavorado de Parsons. Então lhe
perguntou se se considerava culpado... O outro respondeu num grito que
“naturalmente” era culpado. Fez isso ao mesmo tempo em que se esforçava para
mostrar-se como um humilde serviçal à teletela.
Voltou a falar como se estivesse num
confessionário ao dizer que “a crimideia é uma coisa horrível”. Era algo
capcioso que podia “pegar qualquer um” sem que se percebesse a infração.
Especificamente no seu caso, a “crimideia” o atingira enquanto dormia. O caso é
que, apesar de toda sua dedicação diária ao Partido, não podia saber que sua
cabeça poderia gerir maus pensamentos, e sem que soubesse começou a falar enquanto
dormia.
Parsons revelou ao
Winston o tipo de coisa que passou a dizer enquanto dormia... Envergonhado,
disse que começou a pronunciar “abaixo o Grande Irmão!”, e não foram poucas
vezes. No momento tinha a admitir que precisava agradecer por o terem flagrado
antes que passasse a adotar procedimentos indizíveis.
Na sequência garantiu que quando estivesse no tribunal agradeceria por o
terem salvado “antes que fosse tarde demais”.
Quem o havia denunciado? Era isso que Winston quis saber... Parsons
respondeu que sua “filhinha” o denunciara. Sua resposta envolvia-se de
“melancólico orgulho”. A pequena o ouvira pela fechadura da porta e no dia
seguinte o denunciara às patrulhas. De modo algum tinha do que se queixar... A
menina de apenas sete anos simplesmente se comportava de acordo com os seus
ensinamentos.
(...)
Então
era isso... A filha de Parsons o entregara à repressão porque havia aprendido
com ele mesmo que era desse modo que devia proceder em relação aos adultos
vacilantes e os traidores.
O tipo voltou a
perambular pela sala e de um momento para outro baixou o calção. Pediu
desculpas ao Winston e disse que não aguentava mais esperar. Na sequência
sentou-se na privada para defecar.
Winston
levou as mãos os olhos, mas foi advertido pela teletela: “6079 Smith W! Descobre
o rosto! Nada de esconder o rosto!” Ele obedeceu e viu Parsons fazer uso
prolongado e ruidoso do vaso sanitário. A descarga não estava funcionando, por
isso “a cela fedeu abominavelmente durante muitas horas”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-parsons-e-levado.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto