segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - O’Brien dá início a novo interrogatório auxiliado por dispositivo ajustável para intensidades de desintegração do esqueleto de detentos que insistem na mentira e prevaricação; uma postura colaboracionista com o intento de obter abjuração; conferindo a memória a respeito da guerra travada pela Oceania; trazendo à tona o caso da fotografia de Jones, Aaronson e Rutherford numa função do Partido em Nova York

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-tortura.html antes de ler esta postagem:

Vimos que Winston despertou de sono profundo e de estado psíquico mergulhado em completa escuridão... Com vários pontos do corpo presos à cama, viu O’Brien se aproximar.
Este foi dizendo que havia alertado que acaso se encontrassem novamente seria naquele ambiente... Depois disso mal disfarçou a manipulação do mostrador que trazia e o leve ajuste provocou em Winston uma dor apavorante que percorreu todo o seu corpo. O mais assustador para ele era o fato de não saber sua origem e a sensação de que aquilo podia causar-lhe a morte em um instante, pois parecia que seu corpo se deformava e que o esqueleto se desmantelava por inteiro. Parecia que sua coluna podia se romper... Sem ter o que fazer para se proteger, respirou fundo e travou a fala.
(...)
O’Brien começou a dizer que sabia que o detento estava com medo de que tivesse o corpo arrebentado a qualquer instante. Dando a entender que conhecia bem o que estava acontecendo, falou que o pavor do outro era sobre a possibilidade de rompimento da espinha... Certamente o supliciado devia imaginar suas vértebras se separando e o líquido raquiano escorrendo. Winston não disse nada e o outro movimentou novamente a alavanca do controle.
O mostrador havia sido posicionado na intensidade 40. Winston sentiu a onda dolorosa a percorrer seus ossos... Em tom de ameaça, O’Brien mostrou que o último nível de intensidade era 100, esclareceu que estivera conversando com ele durante os interrogatórios e que ele já devia saber que estava em seu poder a decisão de provocar-lhe dor a qualquer instante.
O homem do Partido Interno deixou claro que podia aumentar a intensidade de sua aflição se ouvisse mentiras ou qualquer tentativa de prevaricação. Era preciso saber que sofreria dores cavalares e que, não tendo como resistir, gritaria loucamente. Perguntou se podia entender o que estava dizendo...
Sim... Sem esconder a aflição, Winston respondeu positivamente.
(...)
O’Brien assumiu uma postura menos agressiva, ajeitou os óculos e pôs-se a caminhar pela sala.
Depois de breve silêncio, o tipo se dispôs a falar mais calmamente, dando a entender que passaria a uma conduta amigável... Passaria tranquilamente por professor, médico ou religioso que pretende ensinar com paciência e convencer.
Por um momento, Winston deixou de imaginar novos castigos... O’Brien foi dizendo que vinha se dedicando a curá-lo, e que fazia isso porque sabia que o rapaz era diferenciado e que valia a pena o sacrifício. De sua parte, tinha certeza de que ele sabia o tipo de mal vinha praticando há muito tempo.
Para explicar melhor os desvios cometidos, O’Brien falou que Winston era “mentalmente desequilibrado” e que sofria de “memória defeituosa”. Em consequência, sua memória eliminava “acontecimentos reais” ao mesmo tempo em que insistia em alimentar lembranças a respeito de coisas que “jamais existiram ou ocorreram”. Por outro lado, podia garantir que seu caso tinha cura e só não havia se curado ainda porque ele mesmo se recusava... Lamentava constatar que o rapaz não colaborava com sua dedicação.
Sentenciou que Winston entendia a própria “doença” como virtude... Neste ponto quis saber se ele sabia contra qual império a Oceania estava em guerra. O rapaz respondeu que quando foi preso a guerra era contra a Lestásia. O’Brien confirmou, disse que respondeu bem e quis saber se ele podia confirmar que “a Oceania sempre esteve em guerra com a Lestásia”.
Apesar de tudo o que havia passado nas mãos dos agentes de repressão, Winston sabia que aquela pergunta podia trazer-lhe mais complicações. Apavorou-se ao olhar o dispositivo com o mostrador nas mãos de O’Brien, respirou fundo e resolveu não responder. Mas este insistiu que esperava a resposta que expressasse o que ele entendia ser a verdade sobre o assunto.
Winston acreditou que podia ser sincero e respondeu que, pelo menos uma semana antes de ter sido capturado, a Oceania não estava em guerra contra os lestasianos, que eram aliados... Havia uma guerra que já durava quatro anos, mas era contra a Eurásia. Disposto a falar, foi dizendo a respeito do que acontecia antes desse conflito, mas foi interrompido por O’Brien.
(...)
Ele quis dar outro exemplo e falou que sabia de antiga “alucinação” de Winston a respeito de três homens do Partido que haviam sido “executados por traição e sabotagem”. Referiu-se a Jones, Aaronson e Rutherford garantindo que eles haviam confessado integralmente seus crimes.
O’Brien salientava que, em seu delírio que já durava onze anos, Winston alimentava a ideia de que os executados eram inocentes... E tudo porque se convencera de que tivera acesso a “prova documental” que confirmava que as confissões não eram legítimas... A referida prova seria uma fotografia que havia chegado às suas mãos.
No mesmo instante, o tipo expôs um recorte de jornal que não deixou dúvidas a Winston... Era a fotografia ou uma cópia dela. Com certeza! Apesar dos poucos segundos em que foi exibida, ele pôde verificar “Jones, Aaronson e Rutherford numa função do Partido em Nova York”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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