Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-do-ministerio-do.html antes
de ler esta postagem:
Winston deixou de ver os dedos de O’Brien antes
mesmo que este retirasse a mão diante de seus olhos... A visão simplesmente
desapareceu de sua vista. Em sua memória surgiu uma imagem que indicava que em
algum momento já muito antigo havia sido um tipo diferente.
O’Brien estava satisfeito e
perguntou-lhe se conseguia perceber que “é possível”. Evidentemente se referia
ao fato de Winston ter conseguido enxergar cinco dedos quando lhe eram
mostrados apenas quatro... O rapaz respondeu que sim ao mesmo tempo em que
notava que o homem do avental branco estava quebrando uma ampola e introduzindo
seu conteúdo numa seringa.
O outro ainda tinha algumas palavras a dizer... Sorriu, ajeitou os
óculos e dirigiu-se diretamente a ele com uma postura que bem podia ser
entendida como familiar. Quis saber se Winston se lembrava de ter escrito no
diário que não se importava se ele (O’Brien) era amigo ou inimigo, já que
entendia que se tratava de alguém “com quem se podia conversar”. Afirmou que a
consideração tinha fundamento porque, de fato, ele gostava de conversar com Winston
porque sua mente o atraía.
E disse mais... Falou que
sua mente parecia-se com a dele mesmo, sendo que a diferença elementar estava
no fato de o rapaz ser louco. Por fim, emendou que ele podia fazer-lhe
perguntas. Que ficasse à vontade se o quisesse.
(...)
Winston quis saber se podia
perguntar sobre qualquer coisa... O’Brien notou que seus olhos se fixavam no
mostrador e respondeu que sim. Como que a tranquilizá-lo, disse que o
dispositivo estava desligado.
Então, qual seria sua
primeira pergunta? Winston quis saber a respeito de Júlia, o que tinham feito
com ela? O’Brien respondeu que a moça o havia traído sem pestanejar,
“imediatamente, sem reservas”. Acrescentou que conhecia poucos casos de traição
como aquele.
Segundo O’Brien, o rapaz
teria dificuldade para reconhecê-la... Toda rebeldia que ela fazia questão de
demonstrar, “fingimento, loucura e sujeira mental”, foram destruídos
eficazmente. Podia dizer que se tratou de um “caso de cartilha”, já que o processo
da moça transcorrera à perfeição.
Winston ousou afirmar que
só podia concluir que Júlia havia sido torturada... O’Brien não deu importância
à observação e nada respondeu.
(...)
A segunda pergunta de Winston foi a respeito do Grande Irmão... Afinal,
ele existia? O’Brien respondeu que “naturalmente existe; o Partido existe; o
Grande Irmão é a corporificação do Partido”.
O rapaz pensou que aquela resposta nada tivesse de literal, em vez
disso, tinha sentido mais metafórico... Por isso perguntou se o Grande Irmão
tinha existência assim como a dele próprio. O’Brien respondeu rapidamente que
ele (Winston) não mais existia.
Evidentemente isso provocou uma sensação de
nulidade. Esforçou-se e pensou a respeito... Concluiu que O’Brien usava
argumentos afinados com o processo a que vinha sendo submetido. Por tudo o que
havia passado no Ministério do Amor, a intenção do membro do Partido Interno só
podia ser a de garantir o juízo de que ele passara a ser um “não existente”. Em
seu íntimo concluía que aquilo era absurdamente insensato e não passava de
“jogo de palavras”.
Ao menos mantinha a
capacidade de analisar a falta de lógica na afirmação “tu não existes”. Ao
mesmo tempo parecia entender a “utilidade” de a pronunciarem aos seus ouvidos.
Os “argumentos loucos e irrespondíveis” tinham a função de o manter arrasado.
Depois de refletir a respeito dos juízos sobre sua existência, Winston
respondeu:
“Creio que existo. Tenho consciência de
minha própria identidade. Nasci, e morrerei. Tenho braços e pernas. Ocupo um
determinado ponto no espaço. Ao mesmo tempo, nenhum outro sólido pode ocupar o
mesmo ponto”.
Depois dessas palavras
perguntou se o Grande Irmão existia no sentido que acabara de expor. O’Brien
respondeu que não tinha importância e cravou que sim, “o Grande Irmão existe”.
Winston quis saber se o
líder supremo morreria em algum momento. “Lógico que não; como poderia morrer?”,
foi a resposta de O’Brien. Haveria outra pergunta? O rapaz fez referência à
“Fraternidade”: a associação secreta de Goldstein existia mesmo?
Em relação ao grupamento
rebelde que ele e Júlia pensaram fazer parte pouco antes de serem capturados,
O’Brien respondeu que era algo sobre o qual nunca saberia. Emendou que ainda
que resolvessem libertá-lo após o processo, jamais saberia a resposta àquela
pergunta mesmo que vivesse até a velhice. A “Fraternidade” permaneceria “enigma
insolúvel em sua cabeça”.
(...)
Winston ouviu atentamente e
permaneceu em silêncio por breve tempo. Restava-lhe uma pergunta que, aliás,
era a primeira que gostaria de ter feito... Sua respiração tornou-se pesada
enquanto pensava que O’Brien já devia saber de sua ansiedade e assunto
pendente. Olhava-o e parecia perceber que ele não escondia seu desprezo e
ironia.
Apesar da vacilação, conseguiu perguntar... “O que é a sala 101”? O tipo
respondeu secamente que ele sabia o que havia na sala 101. Queria dizer que sua
dúvida não fazia sentido. Completou dizendo que “todo mundo sabe o que há na
sala 101”. Apontou para o homem de avental branco.
Essa
“revelação” encerrou a sessão... Na sequência o silencioso homem do avental
branco espetou a agulha no braço de Winston e injetou a solução. No mesmo
instante o rapaz adormeceu profundamente.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto