quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - final da sessão de interrogatórios, aplicação de tortura através do dilacerador e de injeção de solução psicotrópica; satisfação de O’Brien ao concluir que o detento já “enxergava de acordo com a conveniência dos opressores”; tempo para breve conversa e permissão para esclarecimentos de dúvidas; a respeito dos encaminhamentos que foram dados ao caso de Júlia; Grande Irmão, o imortal; dando sentido às afirmações ilógicas a respeito da “não existência”; a enigmática “Fraternidade”; a “sala 101” e a silenciosa atuação do homem do avental branco

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-do-ministerio-do.html antes de ler esta postagem:

Winston deixou de ver os dedos de O’Brien antes mesmo que este retirasse a mão diante de seus olhos... A visão simplesmente desapareceu de sua vista. Em sua memória surgiu uma imagem que indicava que em algum momento já muito antigo havia sido um tipo diferente.
O’Brien estava satisfeito e perguntou-lhe se conseguia perceber que “é possível”. Evidentemente se referia ao fato de Winston ter conseguido enxergar cinco dedos quando lhe eram mostrados apenas quatro... O rapaz respondeu que sim ao mesmo tempo em que notava que o homem do avental branco estava quebrando uma ampola e introduzindo seu conteúdo numa seringa.
O outro ainda tinha algumas palavras a dizer... Sorriu, ajeitou os óculos e dirigiu-se diretamente a ele com uma postura que bem podia ser entendida como familiar. Quis saber se Winston se lembrava de ter escrito no diário que não se importava se ele (O’Brien) era amigo ou inimigo, já que entendia que se tratava de alguém “com quem se podia conversar”. Afirmou que a consideração tinha fundamento porque, de fato, ele gostava de conversar com Winston porque sua mente o atraía.
E disse mais... Falou que sua mente parecia-se com a dele mesmo, sendo que a diferença elementar estava no fato de o rapaz ser louco. Por fim, emendou que ele podia fazer-lhe perguntas. Que ficasse à vontade se o quisesse.
(...)
Winston quis saber se podia perguntar sobre qualquer coisa... O’Brien notou que seus olhos se fixavam no mostrador e respondeu que sim. Como que a tranquilizá-lo, disse que o dispositivo estava desligado.
Então, qual seria sua primeira pergunta? Winston quis saber a respeito de Júlia, o que tinham feito com ela? O’Brien respondeu que a moça o havia traído sem pestanejar, “imediatamente, sem reservas”. Acrescentou que conhecia poucos casos de traição como aquele.
Segundo O’Brien, o rapaz teria dificuldade para reconhecê-la... Toda rebeldia que ela fazia questão de demonstrar, “fingimento, loucura e sujeira mental”, foram destruídos eficazmente. Podia dizer que se tratou de um “caso de cartilha”, já que o processo da moça transcorrera à perfeição.
Winston ousou afirmar que só podia concluir que Júlia havia sido torturada... O’Brien não deu importância à observação e nada respondeu.
(...)
A segunda pergunta de Winston foi a respeito do Grande Irmão... Afinal, ele existia? O’Brien respondeu que “naturalmente existe; o Partido existe; o Grande Irmão é a corporificação do Partido”.
O rapaz pensou que aquela resposta nada tivesse de literal, em vez disso, tinha sentido mais metafórico... Por isso perguntou se o Grande Irmão tinha existência assim como a dele próprio. O’Brien respondeu rapidamente que ele (Winston) não mais existia.
Evidentemente isso provocou uma sensação de nulidade. Esforçou-se e pensou a respeito... Concluiu que O’Brien usava argumentos afinados com o processo a que vinha sendo submetido. Por tudo o que havia passado no Ministério do Amor, a intenção do membro do Partido Interno só podia ser a de garantir o juízo de que ele passara a ser um “não existente”. Em seu íntimo concluía que aquilo era absurdamente insensato e não passava de “jogo de palavras”.
Ao menos mantinha a capacidade de analisar a falta de lógica na afirmação “tu não existes”. Ao mesmo tempo parecia entender a “utilidade” de a pronunciarem aos seus ouvidos. Os “argumentos loucos e irrespondíveis” tinham a função de o manter arrasado.
Depois de refletir a respeito dos juízos sobre sua existência, Winston respondeu:

                   “Creio que existo. Tenho consciência de minha própria identidade. Nasci, e morrerei. Tenho braços e pernas. Ocupo um determinado ponto no espaço. Ao mesmo tempo, nenhum outro sólido pode ocupar o mesmo ponto”.

Depois dessas palavras perguntou se o Grande Irmão existia no sentido que acabara de expor. O’Brien respondeu que não tinha importância e cravou que sim, “o Grande Irmão existe”.
Winston quis saber se o líder supremo morreria em algum momento. “Lógico que não; como poderia morrer?”, foi a resposta de O’Brien. Haveria outra pergunta? O rapaz fez referência à “Fraternidade”: a associação secreta de Goldstein existia mesmo?
Em relação ao grupamento rebelde que ele e Júlia pensaram fazer parte pouco antes de serem capturados, O’Brien respondeu que era algo sobre o qual nunca saberia. Emendou que ainda que resolvessem libertá-lo após o processo, jamais saberia a resposta àquela pergunta mesmo que vivesse até a velhice. A “Fraternidade” permaneceria “enigma insolúvel em sua cabeça”.
(...)
Winston ouviu atentamente e permaneceu em silêncio por breve tempo. Restava-lhe uma pergunta que, aliás, era a primeira que gostaria de ter feito... Sua respiração tornou-se pesada enquanto pensava que O’Brien já devia saber de sua ansiedade e assunto pendente. Olhava-o e parecia perceber que ele não escondia seu desprezo e ironia.
Apesar da vacilação, conseguiu perguntar... “O que é a sala 101”? O tipo respondeu secamente que ele sabia o que havia na sala 101. Queria dizer que sua dúvida não fazia sentido. Completou dizendo que “todo mundo sabe o que há na sala 101”. Apontou para o homem de avental branco.
Essa “revelação” encerrou a sessão... Na sequência o silencioso homem do avental branco espetou a agulha no braço de Winston e injetou a solução. No mesmo instante o rapaz adormeceu profundamente.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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